quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Aquele querido mês de agosto (ou: o mistério que chamamos cinema)



Filme belíssimo o do português Miguel Gomes e sua equipe Som e Fúria. Experimental, faz um
filme único.
"Documentário", "ficção", "fake-documentário", "cinema direto", "cinema verdade", "fábula", "cotidiano". Chato é ficar tentando explicar logicamente onde o filme se encaixa teoricamente. Projeto filmado em dois agostos na região da Beira - um para registrar oniricamente a realidade, outro para confabular amadorísticamente a ficção - a experiência audio-visual é pra deixar qualquer um encantado.
As sobreposições feitas são das mais belas que já vi na sala escura - pictoria e dramaticamente falando. O choro da menina é pra chorar. Filme imperdível no Cine Líbero Luxardo (que estava vazio hoje), apenas até domingo. Está entre os melhores que vi nos últimos tempos.
Um filme que começa com galinhas fugindo de uma raposa e termina com a equipe do filme filosofando sobre som; que tem cenas adolescentes de um primeiro amor físico e inúmeros números de conjunto musical; que propõe o jogo e a observação, o encantamente e a imersão, o ouvido e a visão. Toda a falsidade e verdade que constituem o mistério que chamamos cinema.

Mateus Moura.

domingo, 8 de novembro de 2009

Bad Lieutenant: Port of Call New Orleans



Nicholas Cage encarna o personagem herzogiano por excelência: o que atinge extremos. A competência e a virilidade dessa encarnação é tamanha que acreditamos ter ressuscitado em Klaus Kinski, misturado com o Jimmy Stewart dos faroestes de Mann, e o próprio Cage em sua aventura lynchiana.
O ritmo também é frenético! Um homem que se afunda em drogas; dos répteis aos peixes, seu lugar é a bestialidade, o contato irracional com o mundo, o contato primeiro; Herzog e seu personagem são apenas uma coisa: a besta humana – e se orgulham por isso.
O local que o cineasta escolhe para filmar é o negativo de seu personagem. New Orleans, devastada pelo furacão Katrina, é algo que obviamente vai chamar a atenção de Herzog. Seu interesse sempre foi pela natureza, pela destruição, pela loucura, pelo inexplicável, pela alucinante realidade. Seu mundo ficcional sempre encontrou na geografia do mundo real seu positivo.
O plano-sequência de Cage esperando fora da boite para apreender drogas até o seu fim é de uma força e um realismo violento que a televisão até hoje não consegue chegar.
Filme tomado pela coca, como fora o Scarface de De Palma e o Desespero de Veronika Vozz de Fasbinder, o de Herzog parece conjugar justamente onde esses nervos (alemães e americanos) se tocam, e como produzem faíscas.

Mateus Moura.

p.s1: este texto foi postado no link: http://guia.folha.com.br/cinema/ult10044u647604.shtml
p.s2: este texto e o resto da cobertura que eu fiz da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo serão publicados na revista eletrônica Gotaz (http://gotaz.com.br/). Em breve...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O gênio de Quentin Tarantino, e o filme do ano

Escalpelado, brutalmente escalpelado; quem ama cinema perde a cabeça, perde a razão - é queimado nas chamas da experiência audio-visual. A razão volta mais tarde, as palavras voltam a fazer sentido, e a sintaxe confusa do pensamento balbucia: "-É, acho que essa é a obra-prima desse filho da puta!". Aldo Raine concorda.

Falar que Quentin Tarantino é o maior cineasta do nosso tempo se tornou pouco, depois de Inglourious Basterds, Fuller, Leone, Hawks, Fulci podem abrir a porta da casa que Godard falou um dia, Tarantino está entre os grandes, não há sombra de dúvida.
Falar que Quentin Tarantino é um dos maiores cineastas de todos os tempos também parece pouco; depois de ver/ouvir a estória ambientada miticamente na histórica 2ª Guerra Mundial, acreditamos poder contemplar em primeira mão um dos maiores narradores em plena atividade, refinando-se rigorosamente.
Porra, falar do filme?! Talvez com os amigos durante uma noite toda - aos berros! Talvez produzindo um ensaio durante uma semana toda - revendo e relendo!
O que acontece é que o que Quentin Tarantino faz é um cinema que já existe. Como Ronaldo Passarinho falou de Michael Mann acerca de Inimigos Públicos, é "cinema de novo", não cinema novo. Tomar a História do Cinema como Mito e não a História Literária como Ciência é ensinamento de Sergio Leone, de Jean-Pierre Melville, de Jean-Luc Godard. Contar sua estória se valendo de emoção, com a câmera e a banda sonora em ação negritando a narrativa cinematográfica é lição de Fuller e todos os grandes cineastas americanos. Ir além do "bom gosto" e ultrapassar a barreira para atingir os extremos é lição de Fulci e todos os grandes cineastas malditos. O fato é que Tarantino é um virtuose da sua ferramenta, um pensador moral do seu tempo, um iconoclasta anarquista e um artista extremamente sensível.
Um pianista tem seu instrumento e 7 notas para criar uma música, as combinações são infinitas. Um escultor tem um material sólido, um martelo, algo que ele bata com o martelo, as formas são infinitas. O cineasta tem um arma chamada película e - meu deus! - o que se pode fazer com ela...

p.s: os judeus podem dormir um pouco mais em paz, porque além de ser um faroeste, um filme de guerra (sub-gênero missão), uma comédia de humor negro, é um filme de Vingança. Aquela vingança que não pode se ler nas páginas de História, poderá ser vista por centenas de anos nas imagens do Mito.

Mateus Moura.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Prefiro a anti-homenagem: a constatação subjetiva do fato jornalístico


Admito que sempre tentei fugir dos apadrinhamentos, mesmo meu pai, meu professor de escola... sempre fui um defensor ferrenho do auto-didatismo e do caminho individual. Contudo, com o tempo, sinto que é impossível fugir de certas figuras que marcam seu caminho. Sem o amor do meu pai pela nova Hollywood (antes mesmo dele saber que Kubrick, Coppola, Scorsese, De Palma faziam parte de um “movimento” intitulado assim) provavelmente eu não me apaixonaria pelo cinema. [Ou talvez sim, quem sabe?] O fato é que, talvez, se eu não conhecesse Fábia Cruz, e por isso Adolfo Gomes e Aerton Martins, eu não ouviria da boca do primeiro, ao se despedir de Belém para morar em Salvador, que o cineclubismo na cidade agora era com a gente, depois de me emprestar tudo do Bresson e do Glauber e discursar quase chorando sobre o último filme do Clint. Não me emprestaria o Aerton a sua coleção de filmes do Fuller, seus clássicos do horror... o fato é que se eu não conhecesse eles talvez eu não enxergasse nunca que a fraternidade e o compartilhamento daquilo que se ama é o caminho mais bonito e construtivo em termos de cultura e conhecimento. Através da Fábia também conheci o Max Andreone, que abriu várias portas para mim, de vários cinemas, quadrinhos... se eu for falar de Felipe Cruz, Cauby Monteiro e Miguel Haoni então, aí vai ser falar do meu aprendizado diário... nem quero tentar, não é a hora, nem o lugar.
Quero falar de outra figura hoje, uma que mal conheço pessoalmente, mas que prefiro não conhecer tão bem mesmo, porque quero falar dela como a respeito: como crítico de cinema. É verdade que já discordei de muita coisa que ele já falou (apesar de ter concordado muito mais), já recebi criticas suas, e já o critiquei, mas existe respeito maior? O fato é que a partir do próximo domingo – verdade seja dita – no jornalismo impresso belenense não haverá mais alguém que fale de cinema. Para falar dos filmes que passam sempre vai ter com certeza, já tem... mas para falar de cinema mesmo, Ronaldo Passarinho era o último, o único.
Se a minha geração – e a anterior a minha - acompanhou algum pensamento cinematográfico de um conterrâneo que tenha nível para competir com os melhores críticos do Brasil, este foi o pensamento de Ronaldo. Odiado por muitos pela sua irreverência, amado por muitos pela sua sinceridade, sempre em busca de uma linguagem inteligente e acessível, ele sempre escreveu movido pela paixão, munido pelo estudo incansável. Verdade seja dita: sem Ronaldo eu não conheceria Mario Bava, Lucio Fulci, Dario Argento, James Gray, Chan-wook Park, Joon-ho Bong, Wes Anderson, Paul Thomas Anderson, e muitos outros cineastas que hoje são referências para mim.
Alguns amigos meus julgam Passarinho como um verdadeiro “Godfather” mesmo, e,“va benne”, eu não chego a esse ponto. Mas, pesquisando toda a fortuna crítica que foi escrita no Pará, sem pensar duas vezes, troco tudo que veio antes (e isso deve dar mais de 50 anos) por qualquer texto em que o Ronaldo defenda violentamente o cinema de gênero, ou qualquer artigo em que ele agradeça emocionado a um cineasta por fazer cinema ao invés de discussão política.
Como o próprio Ronaldo prega: sem nostalgias, sem chororô... escrevo este texto para entender minha relação com esse crítico, e o que significa este fato jornalístico. Ronaldo Passarinho influenciou e influenciará por muito tempo o pensamento crítico de quem acompanhou o seu percurso, seja para se aproximar ou para se afastar... mesmo depois de morto, continuará vivo, atormentando com seus grunhidos a nossa relação com o cinema... como um zumbi, como o zumbi de Lucio Fulci que ele nos apresentou.


Mateus Moura.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A falta de costume

“Imaturidade” e “arrogância”: dois adjetivos cunhados para classificar a postura que a APJCC assume sempre que decide quebrar o silêncio na tribuna da discussão pública, toda a vez que resolve passar da conversa de bar ao debate político.
É tido como “pedantismo” todo ato crítico, como “desrespeito” toda discordância que vem de baixo pra cima, etariamente falando; “louvável” pode ser o trabalho realizado pela Associação na cidade, mas é preciso ter “humildade”, evitar o “jogo das vaidades”.
O que acontece é uma FALTA DE COSTUME.
A era medieval, eis onde nos encontramos, uma cidade encalhada no tempo. A idéia de CRÍTICA ainda não chegou, nem com o advento da internet.
Mesmo se utilizando apenas dos textos escritos de outros críticos para antagonizar posições em relação à questões em comum, por que a maioria dos leitores insiste (ou quer ver de qualquer jeito) que estão sendo feitas críticas PESSOAIS?
Existe uma diferença entre um homem que tem sua vida privada e suas ações nesse âmbito, e este mesmo homem que tem sua vida pública e suas ações nesse outro âmbito. Existe uma diferença BRUTAL entre discutir as ações da vida privada de alguém no âmbito público e discutir a vida pública desse alguém (as ações políticas).
Talvez pela questão do tão mitificado “provincianismo” (termo também cunhado para caracterizar o “atraso” da postura dos “novos críticos”), Belém não aceita, de braços cruzados, a IDÉIA DE CRÍTICA. Quando ela surge, escudos são levantados apressadamente, existem duas posições de defesa: os mais “espertos” silenciam (para deixar claro o seu desprezo a esse tipo de ação inconseqüente), enquanto os mais “corajosos” reclamam respeito (para ratificar a preservação da dignidade da tradicional nobreza simpática).
É muito mais simples do que parece: só se diz o que se pensa sobre assuntos (que são públicos, e não privados), e se está preparado para ouvir, para depois replicar e etc etc etc.
DIÁLOGO, nada mais, nada menos.

Mateus Moura (APJCC – 2009)

p.s: Aerton Martins escreveu sobre “Amantes” de James Gray em seu blog: http://cinemanamangueirosa.zip.net/ … pretendo escrever no fim do ano sobre ele, quando lançar a minha lista de melhores e ele encabeçar (se bem que ainda vem Tarantino por aí).

sábado, 3 de outubro de 2009

Uma arte chamada cinema



Das 41 linhas do texto de Luzia Miranda Alvares sobre o filme do ano (Inimigos Públicos) 29 são para nos contar o enredo. Das parcas 12 restantes, nada se fala sobre o que realmente interessa… Não, tudo bem, vamos ser generosos, existe uma linha (a última) que a nossa maior crítica se detém sobre a questão cinematográfica, lá está:
“Trabalho interessante de um diretor muito talentoso.”
Afinal, Luzia Miranda Alvares é crítica de que? De cinema?… Afinal, Inimigos Públicos é obra de que? De cinema? …
Acreditamos, quando lemos críticas deste viés, que o cinema deveria ser apresentado como uma arte plástica antes de ser uma arte narrativa, simplesmente para tentar sanar o velho vício da repetição da estória, da recontação do enredo. É impressionante, mas ainda se acredita que a beleza de Inimigos Públicos ou Up está no o que é dito e não no como. O cinema americano tradicional não é um veículo para se contar uma estória, mas uma ferramenta; e é daí que vem toda a confusão.
Luzia Miranda Alvares vem de uma tradição de críticos que não serviram para nada a não ser alienar gerações de cinéfilos tapando seus olhos e seus ouvidos para o que há de mais essencial nessa arte. Afinal, se o cinema é só contar uma estória, porque tantos diretores bateriam tanto a cabeça com elementos (ou “racionalidades estéticas insensíveis”) como enquadramento, mise-en-scène, movimento de câmera, montagem, som, luz?
Ser escritor de sinopses opinativas, ou produtor de resenhas estéreis, ou narrador de superficialidades, ou aplicador de adjetivos, ou enterteiner jornalístico, ou esbanjador de enciclopedismo primário, sem dúvida não é ser crítico de cinema. Conhecer uma obra cinematográfica não é conhecer o ator, o produtor, o diretor, o ano em que o filme foi feito e quantos “oscares” ele levou, mas conhecer sua linguagem, seu estilo, seu autor. O papel do crítico de arte é dialogar sobre algo que interesse enquanto pensamento acerca da experiência estética durante e após a contemplação da obra de arte. E isso não quer dizer que um crítico não tenha a possibilidade de ser bom por questões geográfico-econômicas ou etárias, em um país subdesenvolvido como o Brasil, jovens como Ruy Gardnier são lidos gratuitamente na internet e sabem do que falam; sobre o papel do crítico ele diz: “Creio que o papel de um crítico é iluminar certos aspectos artísticos e influenciar seu leitor a observar além da superfície da obra (a intriga, os atores etc.) e travar contato com sua criação expressiva”.
Inimigos Públicos não é a obra que é pelo trabalho de reconstrução (competentíssimo por sinal) da produção, mas pela permanente reconstrução plano a plano da geografia em que John Dillinger está imerso. A cena em que Dillinger é morto é um belo exemplo, ali Mann utiliza todo seu arsenal estético-técnico: a mise-en-scène da multidão entre John e seus algozes, a câmera lenta utilizada no momento certo dilatando a duração dramaticamente, a decupagem em singles-shots (planos que colocam um só personagem em destaque)… “Mise-en-scène”, “câmera lenta”, “decupagem”, “single-shots”, palavras pouco vistas nos textos escritos diariamente para O Liberal na coluna Panorama… Falar sobre Cinema é falar sobre Tempo e Espaço e não sobre o tempo da lei seca e o espaço de Chicago. Falar sobre Cinema é falar de duração, corte; enquadramento, extracampo.
Tudo bem, é importante localizar o filme em seu contexto histórico, principalmente do gênero gângster (um gênero histórico), mas basta 1 linha.
1 linha para falar de cinema e de Michael Mann sobre Inimigos Públicos, e: “Trabalho interessante de um diretor muito talentoso” é fazer qualquer coisa, menos crítica de arte, não dessa arte chamada cinema.

p.s: se os textos acerca dessas questões estão sendo publicados na coluna ‘Panorama’ do jornal ‘O Liberal’, peço que este componha a discussão.
p.s2: texto de Luzia Miranda Alvares que é citado: http://www.blogdaluzia.com/2009/07/inimigos-publicos.html

(Cauby Monteiro & Mateus Moura, APJCC-2009)

Todos dizem eu te amo…


Se me contassem não acreditaria, chega a ser inverossímil a patética luta do casal 20 do cinema paraense na proteção da sua falsa lenda. No seu último artigo (“Chamem chapeuzinho vermelho!”), Pedro Veriano responde as críticas feitas por Francisco Weyl (no texto “Nem lobo nem chapeuzinho, a culpa é dos narradores”), botando no mesmo saco o que ele chama de “jovens críticos”. Fazendo a citação já manjada em seus textos da frase de Lampedusa e as metáforas nada funcionais sobre a esperança e o amor, o nosso mais antigo amante de cinema fala muito para não dizer nada, enquanto Luzia escreve o segundo texto sobre Up recontando (em palavras) a estória que todos já viram (em imagens).
Me interessei bastante pelos textos do Veriano quando ele reclama da forma como os poderes públicos tratam o cinema e a cultura na cidade, sua indignação e sua contribuição na discussão de um problema cultural público me emociona, admito que pela primeira vez “ponho fé” no Dr. Pedro. Pena que ele se faça de surdo, mudo e cego para várias questões. Quando ele diz que “sinceramente eu gostaria de ver os reclamantes de hoje à testa dos projetos de produção e exibição cinematográfica regional” ele só lê a coluna da sua mulher (Luzia Miranda Alvares) e do seu companheiro da Troppo (Marco Antonio Moreira); se fosse nos quadradinhos veria que toda semana tem duas programações (no CCBEU e na Aliança), que na Marambaia e na Campina exibem filmes locais, que de 15 em 15 dias um filme maldito é exibido no Líbero, que um ano atrás haviam períodos que existia uma programação de 4 filmes por semana, gratuita e com debate e ensaio crítico escrito distribuído no fim. Se “os críticos dos críticos” não ganharam um espaço foi apenas o que os “velhos críticos” embargam, e, pior, cantam, de cara dura, que divulgam e apóiam as atividades cineclubistas locais.
“O problema das exibições alternativas existia” em 2007, quando a famigerada APCC, do alto do seu trono, fazia listas no fim do ano e era convidada para falar de cinema e do seu heroísmo enquanto a cidade estava entregue ao moviecom. Em 2007, na criação do Cine UEPa, os contatos com o Dr. Pedro e a Dona Luzia foram feitos, o apoio foi pedido, convites foram propostos, Mosqueiro na sexta era sagrado, o cinema e o cineclubismo podiam esperar (entretanto em programações de universidade no Líbero no mesmo horário, um jeito se dava). Não é uma questão de rancor ou “choramingação”, mas de fatos. Ninguém parou, todo mundo foi sozinho, construiu sem ajuda de ninguém, e com certeza foi melhor assim. O chato é ficar ouvindo papo-furado, o chato é ficar vendo as falsas-lendas dizendo que divulgam, que fazem crítica, que defendem o cinema, que são bons e educados. A verdade é que o cinema no Pará estava morrendo pelas falsas lendas… estava.
E se é pra fazer um parágrafo dizendo o que é amar cinema, digo com negações entre parênteses: Amar cinema é querer ver o filme em seu formato completo (não exibir um filme com 20% da tela fora como é feito no IAP e nem se tocar), amar cinema é pensar e, quando ter a oportunidade, falar de cinema (não assistir Rebecca e falar de feminismo, ou No tempo das diligências e falar de racismo), amar cinema não é ser “cult”, nem “cinemaníaco”, mas pelo menos ter visto e saber do que se trata o filme que decidiu exibir (não dizer que Cat people é um clássico do cinema francês e recomendar fingindo que é um guru cinematográfico), amar cinema é escrever sobre cinema (não reescrever o enredo do filme e dar estrelas de qualidade)…
Amar cinema não consiste apenas em escrever que ama cinema.

p.s: Se só o Lobo sabe mexer nos equipamentos do Centur e foram contratados, via concurso público, senhores que não dominam a técnica do equipamento que lidam, a culpa só pode ser do processo. Se se contrata um técnico, ou lhe é cobrado o pré-requisito de dominar a mecânica do serviço, ou - se se contrata o homem sem técnica - o empregador providencia a capacitação.
p.s2:se os textos acerca dessas questões estão sendo publicados na coluna ‘Panorama’ do jornal ‘O Liberal’, peço que este componha a discussão.
p.s3: link do texto de Pedro Veriano que este, de certa forma, responde: http://www.blogdaluzia.com/2009/09/chamem-chapeuzinho-vermelho.html

M

sábado, 5 de setembro de 2009

Uma arte que sonha (e que nos faz sonhar)


Um arte de criação de imagens em movimento.

Uma arte autônoma, uma arte popular, uma arte digital.
Uma mistura de quadrinhos (no sentido de ser uma arte do desenho: criação e não capturação do real) e cinema (movimento: duração de um mundo - aqui - irreal).
Uma arte do sonho.

Em Up, a sequência, logo no início, de toda a vida de um casal é, pura e simplesmente, a beleza do encadeamento de imagens em movimento guiados por um trilha sonora, e a apresentação de leitmotivs poético-visuais que nos arrancarão lágrimas e sorrisos mais tarde.

Diferente do que chamamos de cinema, essas imagens foram todas totalmente criadas (desenhadas digitalmente) num mundo irreal.

Não digo que Up é o melhor filme do ano, muito menos que se encontra entre os melhores - ao lado de Gran Torino e Inimigos Públicos. Não porque não mereça... mas porque seja outra arte, uma mais nova que o cinema e que evolui de forma assustadoramente veloz.

Up é grande animação... Viva a Pixar, e viva Pete Doctor... quanto trabalho, quanta sensibilidade!

Mateus Moura

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Memórias de um Assassino


Fade-in. No primeiro plano do filme uma criança e a natureza, um tilt e o mundo da "beleza" coreana vai ser revelado por um Cineasta audacioso!
No último plano do filme Park (o protagonista) olha diretamente para a câmera. Sabemos que o personagem faz desse olhar a sua forma mística de identificar os culpados. O Cineasta sabe que o psicopata foi assistir ao filme no cinema, e é pra ele que Park (e Bong) olham - frustrados e vitoriosos. E fade-out.

É por essas e outras que Bong Jon-Hoo é um dos gigantes do cinema contemporâneo.


Mateus Moura.

domingo, 30 de agosto de 2009

BUNNY LAKE IS MISSING DE OTTO PREMINGER.

"A música é o exercício de aritmética oculto do espírito que não sabe calcular" (Leibniz)


"O Cinema é a música da luz" (Abel Gance)

sábado, 29 de agosto de 2009

CINEMA EM ESTADO DE GRAÇA


Je préfère idéaliser le réel, sinon pourquoi aller au cinéma? Jacques Demy

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

,e só isso

Na sessão cineclubista de algumas horas atrás, onde exibi, dentro do Ciclo do mês de agosto (“As idéias e os filme da vida de François Truffaut”), Janela Indiscreta de Alfred Hitchcock – um dos filmes que indicaria como representante do cinema para uma galáxia ignorante - recebi o carinho e as palavras inquietas na defesa do cinema, do meu companheiro Aerton Martins (que foi convidado para comentar o filme comigo), além dos mosqueteiros Miguel Haoni e Cauby Monteiro.
Aerton, entre outros ensinamentos, disse que nos sentimos pequenos diante de tal obra e de tal cineasta, sigo à risca e assino embaixo. Vamos tagarelar....
Meu grande amigo Cauby Monteiro, pensador socrático do cinema (já que se nega a escrever, mas profere nas ágoras seus ensinamentos), trouxe – para o âmbito da discussão – algo que nunca tinha ouvido acerca de Janela Indiscreta... algo que também me incitou a escrever sobre um detalhe (nessa obra, que merece um livro para cada plano) que nunca ouvi falarem. Admito que minha pesquisa teórica não vai além de Bazin, Truffaut, Ismail Xavier, artigos virtuais, extras informativos...
Alguém deve ter falado, mas enfim, tagarelar...
Comentei com o Aerton antes da sessão que, além do que já tinha claro sobre o filme na minha mente, tinha algo que ainda me intrigava muito, que julgava o mais misterioso e que considerava mais uma aula sobre a autonomia da mise-en-scene - que atravessa o roteiro: O personagem do tenente Doyle (o nome aí a brincadeira de Hitch com o Sir Arthur Connan), que vai sendo construído aos poucos - não só através dos diálogos que ele mantém sobre o passado e o cotidiano com Jeff, mas quando olha para a bailarina de forma tendenciosa e responde à afronta de Stewart (que pergunta como vai sua mulher) de forma indiferente – atinge, numa sequência inteira, uma profundidade de poesia e mistério que me deixa atônito.
Falo da cena em que ele vai na casa de Stewart e a - inigualável em beleza – Grace Kelly está presente. Ele chega cansado e indiferente, através da visão dos chinelos e da sombra (a sombra de Grace Kelly!), e da audição de uma voz feminina cantarolando, percebe que uma mulher dormirá na casa de Jeff; depois olha para a festa que ocorre na vizinhança, com uma certa melancolia; chega então Grace, que o tenente olha, encantado e prazeroso por presenciar tal beleza, depois disso olha para sua lingerie exposta na sala (Jeff sempre o repreendendo ao acompanhar seus olhares: “Cuidado Tom”), e, depois disso, o plano que me faz vibrar (a chave de ouro!): o plano começa, eles estão balançando seus brandys e o tenente está ouvindo as conjecturações novas do casal sobre o mistério que tentam desvendar, ele escuta até o fim... depois pretende sair do quadro formado pelos três, a câmera abandona os dois e o segue em panorâmica (aqui uma das poucas vezes que a câmera abandona o ponto de vista de Jeff no filme)... ele deixa seu brandy na mesa, olha sem vergonha alguma para a lingerie de Grace, sai do fundo do quadro, e ocupa o lugar soberano do primeiro plano com o fundo desfocado para dizer, com o olhar mais frio do filme, a frase que revela em que ponto está seu relacionamento matrimonial: “Lars Thorwald não é mais assassino do que eu sou”, e corte, e volta o papo, como se nada tivesse acontecido. Enfim, só vivendo as imagens, realmente Hitchcock é desses que alertam que o cinema lida justamente com o inefável!


Enfim, voltando ao ensinamento do Cauby, creio que tem muito a ver com isso, pois foi justamente o que ele disse – no momento em que eu falava do Método Kulekhov adotado por Hitchcock como princípio para grande parte do seu cinema (que sabemos, é extremamente decupado) – sobre também o filme ser uma pérola da encenação dentro do quadro, já que cada janela é vista de fora, em planos fixos, o que se move são os intérpretes dentro dessas janelas (quadros).
Outra coisa que me intriga, e que o mesmo Cauby me disse acerca de “Notorious”, é a relação de um detetive dentro daquele filme com um quadro (que ele olha, olha, estranha, e só isso)... com o Tenente acontece a mesma coisa numa cena anterior; no meio das fotos de Jeff tem um quadro, que ele olha, olha, estranha, e só isso.

Mateus Moura.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Diário sobre Inimigos públicos (10/08)

Acredito que Mann faz o filme de gângster apenas com as regras de gênero que lhe interessam, acrescentando, naturalmente, o tom que permeia sua obra. Creio que o maniqueísmo está longe... Melvin Purvis não é apenas o bandido que quer pegar Dillinger (não é apenas um estereótipo), a cena do diálogo entre as grades com Dillinger revela que ele não deu certo na sua escolha profissional (o que é retificado na cena em que mata inocentes e sente fundo, e no epílogo do filme quando sabemos que ele abandonou a polícia e se suicidou mais tarde), e a cena em que carrega Frechette nos braços não revela nada (longe as explicações), mas perturba. Outra questão é o duelo final entre Dillinger e Purvis gorado, a redefinição do rival e do duelo. Dois duelos acontecem entre Dillinger e homens que nem conhece, um ele vence com o olhar, que o apavora (e este sentimento só o espectador pode completar, pois sabemos o quanto o "fat boy" merece uma surra do Dillinger, mesmo sem ele saber), e o outro é seu assassino: Winstead, o homem do Oeste – Texas ranger – que tem os culhões que Dillinger diz para Purvis – entre as grades – que o policial não tem. Talvez nem Dillinger tenha o que é preciso para um herói do Oeste, Dillinger já é um herói hard-boiled, um herói que se apaixona; e que Purvis sabe de antemão – ao ler o velho diálogo no script - que voltará por amor. Dillinger e Frechette me fazem lembrar Jesse e Tulip, assim como Winstead me faz lembrar o Santo dos Assassinos.

O final é o encontro - no mundo dos policiais científicos e dos ladrões populares - de um ranger e uma índia. Onde Dillinger e Purvis? Afinal, é um filme de bandido e mocinho? Só?

Mateus Moura.

domingo, 9 de agosto de 2009

Diário sobre Inimigos públicos (09/08)

Revendo o filme percebi melhor a incrível trilha sonora, que já tinha percebido pela qualidade das músicas antes, mas que agora vejo a relação tão intrínseca ao filme, como se o som das metralhadoras e rifles nos revelassem a violência do que estamos vendo e as canções os sentimentos que estão acontecendo. O digital é o filme! A película faria um filme de época, daríamos uma volta no museu e assistiríamos como se comportavam as pessoas daqueles tempos. O digital deixa tudo mais cru, mais direto, parece que vivemos o momento, é como se a película fosse mais perto da “arte”, e o digital mais perto da “realidade”. A câmera na mão idem. Parece que estamos presentes em 33, a chegada do avião de Dillinger em Indiana, as câmeras que gravam e que acompanhamos dão mais força a essa busca de realismo. Mann porém lida com um mito, e sabe disso; apenas conta uma estória, e sabe disso. A mesma estória que os filmes de gangster da década de 30 contavam. E o filme conta a estória, grandiosamente cinematograficamente, emocionante, cenas de ação numa telona, finalmente Cinema no cinema! (Quanto tempo fazia?) O filme é simples mas cheio de mistérios, cheio de cenas maravilhosas em seus detalhes, em suas excentricidades, em suas singularidades. Só penso nelas: Uma delas é Purvis carregando Frechette nos braços. Dillinger adentrando o escritório policial, como se já fosse um mito. Penúltima e última seqüências... Que belas, quantas coisas dizem, quantos mistérios! Dillinger vai ao cinema, lá se vê, lembra do amor de sua vida, se emociona, durante mais de 1 hora vive o mundo dos sonhos, com o cinema aprende a aceitar melhor a morte. Winstead, espécie de personagem-destino, Texas ranger que entra no filme e sabe todos os passos que Dillinger vai dar, o mata na saída, porque Purvis é impedido por alguma força e “fat boy” impedido por seu medo e culpa após o olhar fuzilador de Dillinger. A morte de Dillinger é o elogio da era digital. A cena final de repente nos entrega Marion Cotillard bela de um jeito que esperávamos desde o início, a iluminação azula ainda mais as petecas dos interlocutores no campo contracampo. O homem misterioso que soube os passos de Dillinger, o matou e ouviu suas últimas palavras, vem transmiti-las: “Bye bye, blackbird”, os olhos se enchem de lágrimas e ela nunca foi tão linda. O filme poderia terminar nesse close, mas o contracampo é o homem-destino, que fecha a porta.

Mateus Moura.