segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O Desprezo (e seu inverso)

O meu amigo Luís Alberto diz que uma faca corta um pão que é uma beleza, passa manteiga e tudo... mas degola um pai de família fácil fácil. É que nem a anedota de alguém do Family Guy que ao ouvir que as armas são a desgraça da humanidade, puxa um revólver, põe na mesa e fica mandando: "Vai, me mata! Atira, atira!", e ela fica lá paradinha.O grande mestre Claude Chabrol dizia que só poderíamos chamar de "cineasta" àquele que tem consciência do que faz: pensamento fruto de uma reflexão juvenil grupal acerca da "política dos autores", na famigerada Cahiers du Cinema dos anos 50. Godard, como bem coloca Sylvie Pierre, fez sua odisséia sobre; "pois o Fritz Lang de O desprezo é uma criatura política: sua Odisséia é a Odisséia do autor". O texto de Sylvie Pierre o li num blog militante, de um cara que traduz os textos e os disponibiliza gratuitamente, sem ganhar tostão algum.

http://dicionariosdecinema.blogspot.com/

Internet - que ferramenta né?

Mateos.

domingo, 26 de dezembro de 2010

What makes a mann to wander?

Michael is the fucking Mann! (Cauby Monteiro)
É fato que escrevo quando o fato quer se escrever. Interno ou externo, é o fato, que em mim transcriado, transborda e materializa-se quando, ao acaso, decide-se.
Sobre paixões.
Porque tava louco pra dizer esses dias há tempos: "Chega de cinema americano!". Tava mesmo voltado pro cinema brasileiro asiático francês italiano, distante do tio Sam.
Aí vieram 3 velhos camaradas - Lynch, Ferrara e Mann - e simplesmente explodiram com tudo.
Aí eu vi Thief do Mann e gritei: "Viva o cinema americano!", com lágrimas nos olhos vendo o James Caan detonando o mundo e seguindo solitário no horizonte. De novo. Sempre.
Vi a paixão desse fucking Mann por regiscriar a noite com seus neons e faróis, o gueto com seus marginais, os carros com seus reflexos, as armas e seus estrondos, as músicas e sua potência emocional. Senti todo o interesse que esse puta sensível tem pelos foras-da-lei, todo o drama de não poder se relacionar de forma plena, toda a responsabilidade de ser livre. Vibrei com cada ângulo, cada travelling, cada zoom, cada silêncio inesperado, cada slow sangue jorrando na calçada.
Quanta liberdade, quanta História, quanta Mitologia, quanto Vigor criativo, quanto Rigor técnico!
Lembrei que existia Michael Mann, e de quanto era imensa a sua paixão pelas coisas, objetos e sentimentos. Lembrei que existia o cinema, o cinema americano, e de como o thriller pode realmente nos causar emoções verdadeiras. Lembrei que existiam poetas cinematográficos, e que nenhum poeta - use ele a ferramenta que usar - vai tratar de pequenos temas, simplesmente porque tema nenhum é pequeno; lembrei que a obra de arte não trata de nada, pois ela quem adoeceu. Lembrei que existem filmes, e existe Cinema. Lembrei do Gombrich: de que não existe a Arte, mas artistas... e conclui que não existem gêneros, mas obras. Lembrei que é dos EUA que vem o cinema mais experimental do mundo - lembrei de Andy Warhol, Michael Snow, Maya Deren. Lembrei que o Monument Valley era apenas um lar físico de poucos, e que hoje é um lar espiritual de muitos.

Lembrei o quanto o homem pode ser fascinante quando dirige o seu olhar apaixonado, e cria. Agradeço a Michael Mann, os insights. E ao homem-mito que parte rumo ao horizonte - ride away...

Mateos.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

tudo no tudo (a implosão)

“Cê me viu por aí? É que eu to tentando me achar...” (Lucas Gouveia)

Paul Thomas Anderson, em Embriagado de amor, se coloca enquanto desafio estético, vários obstáculos. Entre eles, porém, acredito que os mais importantes são: a fotogenia e a música.

Logo, sua matéria-prima vem daquilo de inefável.

O termo “fotogenia” passou por vários significados em sua caminhada histórica. Em 1851, nos primórdios da fotografia, ele surge para designar os objetos que se impressionavam na placa fotográfica; aqueles que a luz refletia suficientemente para a sua eternização eram os chamados objetos “fotogênicos”. Depois surgem emulsões cada vez mais sensíveis e tranquilas do tal processo e o termo ganha outro sentido, que é o que conhecemos hoje no dia-a-dia. Quando falamos que uma pessoa é fotogênica queremos dizer que ela sai bem na foto, que é valorizada por ela.

Na vanguarda dos anos 30, na França, Louis Delluc se apropria da palavra para trabalhar um sentido de fotogenia mais místico, e que pretende estabelecer o estatuto do cinema enquanto arte, ou no mínimo enquanto fenômeno nada desinteressante. O elogio a esse “grande mistério de um aumento sensorial e sensível da realidade através de sua filmagem” tinha o interesse de colocar a questão do ato fílmico diretamente relacionada com uma possibilidade de adentrar o real através das aparências, ou como alguns contemporâneos costumavam designar, o surreal. Não seria algo inerente ao cinema tal fenômeno, impreterivelmente dependeria do olho humano que conduzisse o mecânico. Certas técnicas como a desaceleração, o primeiro plano, e, principalmente, o gosto por certas iluminações eram rituais de aproximação destes fenômenos ocultos da realidade.


Do primeiro ao último plano é esta preocupação que estabelece a principal linha estética de condução dessa narrativa cinematográfica. Segue perpendicular a esta reta a banda sonora. A harmonia é o principal tema desta obra de arte.

Para a harmonia existir e a música da luz acontecer são necessários a melodia e o ritmo. A melodia vem em diálogos, olhares, gestos, signos; o ritmo vem em movimentos de câmera, coreografias de corpos e objetos, movimentos de iluminação captados pela lente, corte.

Para a música existir e a harmonia da luz acontecer são necessárias a cor e o timbre. A cor matiza o sentimento: fria e triste (azul =“blue”), quente e forte (vermelho); o timbre pontua o sentimento: pesado e angustiante (como um batuque frenético), suave e aliviante (como violinos se harmonizando).

“A música é a arte dos sons em movimento”. “O cinema é a arte das imagens em movimento”. “O ritmo é a organização do movimento por meio de subdivisões de tempo e acentos”. “A peça cinematográfica conta-nos uma história humana ultrapassando as formas do mundo exterior – a saber, espaço, tempo e causalidade – e ajustando os acontecimentos às formas do mundo interior – a saber, atenção, memória, imaginação e emoção... Estes acontecimentos alcançam isolamento total do mundo prático através da perfeita unidade de enredo e forma pictórica.”

O cinema enquanto máquina produz um tempo, o espectador enquanto pensamento o compreende porque sonha. O amor enquanto sentimento é produto cultural, o amante apenas ama. A razão enquanto chave de leitura uma liberdade, prisão. A música e a fotogenia não traduzindo, sendo. ‘Estranho’ é novo, novo vale? O que vale? O morador de rua questionado acerca do que é arte disse que “tudo pra quem gosta é bom né?”

“To cansado desses textos idiotas!” E de escrever frases que só o Ícaro vai entender. “Tudo é movimento Dermond”, começo a me sentir estrangeiro nessa blogosfera.unrrailixi nessa internet. vou passar temporada na caverna, descobrir outras ferramentas.

Mateos.

Ato relato

Que analisar algo se tratava de abarcar um pequeníssimo pedaço do fenômeno eu já sabia, mas recentemente a vivência de certas situações trouxeram novas rugas de (in)compreensão.

A obra de arte como fenômeno independente de seu criador (como, supostamente para uns, nós) também já era totalmente aceitável na confusão dos meus juízos, mas recentemente a vivência de certas situações e sua posterior análise me fizeram tropeçar em conclusões nada conclusivas.

Na minha atual palheta de entendimento encontravam-se categorias de análise bem humanas ao procurar a causa primeira da coisa-artística: ‘inteligência’, ‘sensibilidade’, ‘percepção’, ‘espírito’, ‘sentimento’, ‘personalidade’. O ‘domínio técnico’ sempre me encantou, e, falando de preferências, ponho na frente de obras de vários artistas obras virtuosísticas de grandes artesãos, mas, falando de substância primeira, não acredito que seja o ‘domínio técnico’ essencial; sem ele se fizeram grandes obras, porém sem o mínimo ‘senso artístico’, nananinanão.

Tem artes que são mais influenciadas pela qualidade do seu instrumento que outras. No caso da escritura, por exemplo, a caligrafia não tem importância alguma – onde ela tem importância na verdade é justamente na arte da caligrafia. A arte cinematográfica talvez seja – salvo engano – a que tem o produto mais influenciado pela Máquina.

Isso não tinha aprendido pensando, tive que aprender vivenciando. Pragmaticamente também ratifiquei conclusões de outros, e que apenas “sabia” de forma rasa. Um exemplo é o aforismo rohmeriano de que “todo filme é um documentário de suas condições de produção”. Eu não sei se não entendia essa frase em seu sentido profundo por questões de maturidade, porque ela se perdia na tradução ou porque ela queria significar outra coisa mesmo e eu estou tendo outro pensamento... Enfim, só sei que colocaria dessa forma (pra esclarecimentos próprios mesmo, a partir dessas tais vivências recentes): Todo filme FAZ um documentário de suas condições de produção.

Qual a diferença? É aí que entra o pensamento sobre-vivente, que retoma o tema do meu atual relacionamento com as máquinas... & inicia-se o corpo do texto, depois deste extenso prólogo.

Este pensamento prematuro foi gerado durante dois meses, período que decidi esquecer a segurança e transar valendo com os instrumentos técnicos audiovisuais. Desde então, todos os dias, dedico horas gravando ou editando – só o que quero. Nessa brincadeira descobri que não se faz cinema sozinho, nunca! Mesmo num filme do próprio umbigo precisamos de 2 coisas: um ser humano e uma câmera. Foi então que senti na pupila o “cine-olho” a que Vertov tanto se referia.

Vontade, Poder: serão realmente apenas qualidades animais, vegetais?

Se da razão me utilizar para tentar compreender a minha relação com a máquina de filmar neste processo – que fui convidado por Danilo Bracchi, junto com Edison Santana, para uma tríade de experimentação entre música, dança e vídeo – chamado Curimbó, será como um tiro no pé.

Nada teve sentido lógico-racional: queimou câmera, HD parou de funcionar e levou arquivos, softwares se renegaram a abrir, fitas se deterioraram em tempo surpreendente... e coisas que nem sei explicar.

Eu, até então, tinha tido uma sorte imensa com as máquinas; mesmo não sabendo nada de técnica elas haviam respondido e cooperado totalmente com aquilo que eu desejava.

Mas dessa vez foi tudo diferente, foi como uma briga: eu fazia e ela desfazia, eu fazia e ela desfazia... até essa Coisa – nascida dessa porrada – vencer.

De repente olhei o produto e não era o que eu queria, haviam Erros. Mas acompanhando-os percebi que não havia produto mais honesto do que foi o processo do que aquilo. A Máquina , presente na imagem que se desenrolava, tossia a sua “imperfeição”, construía a presença de sua ‘maquinicidade’.

Aquele filme era, também, um documentário, feito à minha revelia, das condições existenciais do processo, que compreendia em sua gênese o movimento cosmogônico de uma trindade: Natureza-Homem-Máquina.

Logo de cara pensei que aquele produto que me foi apresentado em primeira mão não agradaria o público ao qual era destinado. Não acreditei nem mesmo que agradaria os meus parceiros.

Onde fui me meter? Eu – neófito, coitado – me envolvendo artisticamente com um pai e um filho de santo; como eu queria que o processo fosse “natural”?

O que aconteceu, para a minha surpresa, é que eles viram e concluíram na hora que não podia ser diferente, e que aquele tinha que ser o produto apresentado.

Sincretizando em ritmo de natal, todo esse relato meio escorregadio me trouxe a imagem do presépio cristão. Os três reis magos, cada qual com o seu presente, seguindo a estrela onde encontrarão o nascimento. Imagino então que chegando lá o menino na manjedoura arrombou o ventre de sua mãe ao nascer, e a matou - afinal ela era virgem, fechadinha. O menino nasceu deficiente, um olho a menos - perdido na guerra contra a casca de ovo. Tranquila e ritualisticamente, compreendendo os fatos através da razão, os três reis magos abençoam a criança, dão meia-volta, e seguem pra casa... com a doce sensação de dever cumprido.

Mateos.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Epitáfio

“Mateus
Eu fui
Tentei te acorda”

Engraçado como a Michelly deixa mensagens que, só aparentemente, são banais. Transanteontem mesmo ela afirmou de riso cínico que eu perco tudo. Respondi na lata que era assim só pra quem analisa trivialmente, que se for se deter mais profundamente no fenômeno eu ganho muito, logo, perco muito – é a famigerada lei da compensação.

Anteontem, eu perdi minha câmera de filmar. Isso pode parecer pouco para algumas pessoas, além de ser algo que eu tinha ganhado e não comprado com o meu suor, mas foi tão dura a história que estou catatônico até agora. Se for ler o acontecido na chave afro-religiosa só posso crer que foi mandinga (e da braba!). O enredo da farsa é digna de um teatro do absurdo, tô esperando godot até agora me explicar o que aconteceu.

Me desculpem o leitores ocupados, esse texto é só uma forma catártica-terapêutica de tentar salvar o meu drama, um processo alquímico de transformar tragédia em comédia, uma pitada de filosofia da vulgaridade para deixar a vida um pouco menos amarga. Me agradeçam os leitores desocupados, toma-te aí uma boa dose de sub-machadismo.

Devo admitir que finjo não me importar com as separações e ao mesmo tempo finjo que me importo totalmente com as separações. A verdade é que eu me importo completamente, e não me importo com toda a minha força. O interessante é o foi – e o ainda bem. O interessante foi o é. Sim, o interessante foi, não é mais. Aff; ufa. Enfim...

Só sei que bradei, braços estendidos, olhos no alto, o clichê das paixões: Por que me abandonastes?

Ou fui eu que te abandonei!? Meu Deus!

Que relação é essa com as ferramentas? É lógica? É sentimental, emocional? Da bola à bicicleta, do skate ao vídeo-game, do dvd ao computador, do violão à câmera... instrumentos de brincar de expressar-se. Instrumentos de comunhão. Como nos deixam? Ou como deixamos eles? Nós que por momentos somos um!

Mas enfim... apesar de nada ser substituível, tudo é substituível. A gente aprende dos que já viveram que tudo passa, e descobrimos que é verdade: tudo passa. Sim, tudo passa, mas nada passa.

Ao menos da minha relação com a Sony Mini-dv DCR-HC52 ficam gravadas memórias que não vão se desbotar com o tempo. Os tais momentos de eternidade poderei rever – partindo do pressuposto que o meu computador não vai me abandonar e as mídias não vão se esconder.

Este filme (ainda sem título), que está terminando seu processo de filmagem, será dedicado a você meu bem - pois sem você ele não existiria. Esteja onde estiver saiba que é com honras que enterro a sua presença, e com lágrimas nos olhos. Lutaste bravamente, sempre!

Adeus.

p.s:Este texto é dedicado ao Eliphas Lévi, ao Catatau e ao biscoito da sorte, que disse sem creditar: “um sentimento expresso de forma autêntica e pura: poderosa influência oculta”.

Mateos.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O anjo do arrabalde

Depois de mais de 10 minutos de cenas documentais da vida nas beiras das estradas canarinhas, 3 vezes o close intercalado pelos caminhões, o sol na cara, a fala ulterior – utilizada sempre de forma essencial-econômica por este cineasta – expressa a vulgaridade (vulga verdade); a luz é estourada, a cabeça meneia, o olhar é cabisbaixo: “Êta vidinha de merda!”. É o início de “Aopção ou Rosas da estrada” & a cartela de todo o cinema de Ozualdo Candeias, um dos cineastas mais inventivos de todos os tempos.
Depois surgem imagens familiares dos que vivem às margens dos rios de asfalto. O som, tecnicamente precário, só tem comparação em sensibilidade de percepção estética no cinema bressoniano. A sinfonia de ruídos é mamada nos seios da Natureza e da Humanidade, nos sons de animais e nas buzinas dos caminhões, nos uivos do vento e nas sintonizações dos radinhos. É uma orgia de simplicidade e potência.

A alegoria sexual da próxima sequência apresenta um Homem que não está nada distante do puro instinto animal. E uma Mulher, prostituta por não ter opção, que sobrevive do asco. Na segunda vez em que alguém pronuncia palavra no filme (que já vai chegando ao seu terço) implora-se, depois da ânsia de vômito dominada, que desligue a luz. Este Homem – caminhoneiro – trata esta Mulher como o seu automóvel. Com o martelo dá umas pancadinhas nos pneuzinhos dela. Bate também no seu instrumento pra ver se tá tudo durinho. O circo armado, cospe na mão, lambuza o pau e bate uma punheta; as mãos debatendo-se nas nádegas dela. Depois segue viagem. Apenas uma parada necessária e prática que precisava ser feita para poder continuar, como a troca de um pneu.

As primeiras falas que surgiram no filme foram de mulheres da estrada; e, apesar de ser um filme sobre a desgraça que é a vida dessas coitadas, a terceira fala é de um homem, tão fodido quanto. Ele vai cagar no banheiro da borracharia, na parede vários recados indecentes de viajantes, sabemos do contexto e já fomos dominados pelas imagens dessa “vidinha de merda”; quando ele, instintivamente, profere um “é, meu irmão, é isso aí...” solitário, antes de abrir a porta e voltar à realidade, já não observamos mais friamente... Sem direito de sonhar, o homem medita, analisa a cagada, limpa a bunda, e toca pra frente. Tem que ser...

Ozu Candeias, como o Ozu Yasujiro, de 50 mm empunhada, está preocupado, acima de tudo, com a realidade. Mas a realidade enquanto linguagem – que a fotografia inventou, e que o cinema encampou em duração.

O Pasolini brasileiro, o Cassavetes das valas, o Vigo dos trópicos, o Buñuel do Tietê, o Mario Peixoto cine-reencarnado... a verdade é que nenhuma comparação atinge a originalidade deste cineasta apócrifo de qualquer Bíblia do Cinema.

A tragédia é sua alçada, a desesperança o seu tom, a crueza o seu habitat. Não sobrevive da miséria, vive nela. Da destruição cria, do horrível faz poesia. Inventor de formas, eterno experimentador, ser que só poderia se expressar plenamente na forma audiovisual. Reúne no ato fílmico o ápice da evasão onírica e o zênite do poder de registro. Com a câmera em mãos esquadrinha o mundo decantado pela sua imaginação.

Caminhoneiro, pela estrada da vida sempre perseguiu no horizonte o cinema, e nas margens o mundo. O diário de bordo é composto por 10 longas, 2 médias, 11 curtas e 4 vídeos.

Encontram-se 5 pérolas para baixar aqui:


Aqui um estudo no resgate de sua obra:


Mateos.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Texto de Luah Sampaio sobre o D.Juan

O ar desconfiado e sem tom, sem saber... A cara de medo, de coitado. Passível a feitiço, daqueles brabos com nome escrito e enterrado, o seu poder é dela, e naquele olhar ELE se dedica apenas a ELA... A vilã?!

Vilã ou heroína? Essa é a pergunta chave de todo o filme, tudo parece uma ode as mulheres más... Aquelas que te comem te conquistam que batem e gostam de apanhar, mulheres de verdade! Aquelas que se transmutam em vários bichos, ora onças, ora cobras.

Quando ELA dá seu bote de cobra ao som de Coltrane, suas expressões possuídas de terror mostram o poder e visceralidade que possivelmente se pretendia ao pensar na cena. Ela é o jazz e o Horror. Metamorfoseia-se e ao invés de virar dragão, vira a cobra, venenosa.

ELE é varrido, jogado no chão, e ELA como alma penada apodera todos os seus desejos e todos os seus pensamentos, ELE sempre foi um anjo sem cara, e sua escolha independe dele, ELA sempre foi o Don Juan! ELE já tá todo arranhado e mordido pelo desejo, não se sai e não se entra!

As transições são magníficas! Quando do enquadramento do violão e a musica passa para a roda, ELA o cercando :“Vou te pegar!”; “Ah... Paixão”; um zoom e um close-up do desejo com batidas de coração como um tecnobrega louco. Logo depois aparece o plongée da culpa, sua aliança rodando, e sua confusão aparece como uma visagem, uma matinta-mulher maravilhosa num abrir de portas oriental.

O diretor, rapaz do signo de escorpião... (É, dá pra entender tudo!) Nas cenas finais, diz: “Agora, vamos lá, eu um apaixonado por cinema, vou falar de cinema!”. E a metalinguagem aparece de maneira sutil e bonita, um diretor: o mesmo, um plano bonito, o técnico de som aparecendo na cena e uma declaração de amor.

Ela não sai, fica, beija, e o beijo é rodeado, é apavorado, nos deixa tontos... E é muito gratificante ouvir a voz no final... Acreditar na poesia e acreditar que podemos fazer! O quanto é tudo tão difícil é tão simples quanto isso. Um puta sonho ligado ao absurdo, mas, isso tudo meus caros ainda é potência... Só quem viver verá!

Luah Sampaio

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Sobre a Arte (ou qualquer outra coisa que se pesque através de aforismos em montagem de atrações)

“Isso aqui não é poesia, mas profecia vivida” (Luís Alberto)

Orson Welles – que com o seu Cidadão Kane influenciou todos os grandes cineastas vindouros, e que com os filmes depois do primogênito influenciará ainda todos os grandes cineastas vindouros – dizia, no tom mais simples, que o artista é, tão-somente, aquele que expressa em uma obra a essência de sua personalidade.

A matéria-prima do artista é o não-era. A obra não diz nada, ela é. A essência do ser fede e perfuma, é o feromônio e a nhaca, o feio e o belo: a coisa.

Rafael Couto, durante um ensaioght em jam verbal comigo, trouxe o conceito do artista-decorador. Aquele que decora decora decora, e repete. Decora o pavão. Pavoneia.

Quem “faria” não é artista. O artista faz. E depois, não é tudo uma questão de ser ou não ser, mas uma questão de é. Uma questão de FAZER.

O novo – porém não se iludam – é o antigo criado. O novo é o n que renasce no ovo. N formas. Nascer – sim! – todos nascem; renascer – porém não se iludam – não é obra do divino, mas da vontade – demasiada humana. Sair do trem para o trilho, do horizonte para a estrada, da vida para o viver.

Só o profeta enxerga o óbvio, dizia Nelson Rodrigues. A inspiração – como não percebemos? – é apenas o movimento respiratório de sucção de tudo aquilo que a galera joga no ar. Resta, com humildignidade, expirar com os próprios pulmões. Porque – não nos esqueçamos! – quem com a pica dos outros goza, concebe apenas bastardos.

Porque a demagogia é a pior mentira que existe, porque a demagogia é uma mentira mentirosa, bradava Tim Maia, do alto de sua vagabundagem. A arte – ele bem sabia, de forma racional superior – pode transmitir verdade até na pior das mentiras. Basta a fé na essência, o tesão pelo instrumento de invocação e a entrega total no ritual. Com tal receita atinge-se, além do Bem e do Mal, do Belo e do Feio, da Verdade e da Mentira: o Inominável – aquilo que até podemos falar por alusões, mas que em si apenas é.

“Esqueçamos pois o incômodo dos calos. Falos eretos, adentremos; que a sina, o sino anunciam: é hora da abolição do tempo, da criação, do nascimento”: Palavra de Denotan. Graças há Deus.

Mateos.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Texto de Mariana Hass sobre D.Juan

O quase sorriso de um rosto, um início-mistério que dança como valsinha de composto binário: cabelo enroladinho no dedo. Uma apresentação da personagem que nunca se apresenta por inteiro – mas isso só se confirma na reminiscência das imagens que surgem até o fundo branco, ao final do filme. Quem é D JUAN?

Após ver a mulher que não se mostra, conhecemos um homem e como ele se enquadra: um cara casado. Ele é quem rege a dança das imagens. O compromisso de objetividade que aguarda o expectador é traído pela fantasia do homem (Ramón) seduzido pelas imagens que ele mesmo concebe. A câmera registra uma relação de atração que mesmo em registro não se comprova, pois se disfarça como uma narrativa de devaneios e pormenores morais que sempre retornam, e marcam-se pelo enquadramento do personagem principal à sua condição (a câmera sempre leal à aliança).

Os efeitos dessa direção surtem, mas uma seqüência de extrema importância deixar a desejar: a cena da perseguição no momento de uma aula de teatro. A atividade dos atores não parece um exercício de fato e, considerando a câmera nesse instante como objetiva e documental, a perseguição entre os dois personagens principais é muito explícita e não passaria tão despercebida pelos demais atores. A falta de verossimilhança provoca uma perda no tom, infelizmente. Por outro lado, a cena não perde seu valor e efeito, pois apresenta o ritmo do som como fundamental marcação da atmosfera criada no filme e como metáfora ao ritmo intenso do desejo crescente.

O filme, sem gênero predominante, confirma-se assinalado por sobressaltos do barulho ambiente, do ritmo das aulas e do silêncio do personagem principal (Ramón). A encenação e as aulas no teatro são a realidade, onde se configura o tempo e o espaço físico do personagem que se perde em divagações. Do devaneio ao desvario há um enlace entre o eu do homem (Ramón) e aquilo que a imagem da mulher (Giovanna) lhe transluz. Ele quer ela. Hesita... e também se entrega a fantasiar. É então que percebemos que som, iluminação e enquadramento são a tradução dos sentimentos e das sensações do protagonista (Ramón), tradução às vezes melancólica e ingênua; às vezes tensa e oclusiva.

Após conhecermos a imagem, a figura daquela mulher se apresenta ao personagem principal de forma já não tanto enigmática, pois é retratada por meio de um olhar intenso e desejoso (a câmera registra a personagem de Giovanna com um fiozinho de cabelo na boca, cheia de malícia). Campo e contra-campo, ele e ela, mas quem é que vê? A câmera ainda é imaginação ou é comprobatória de uma cobiça agora mútua?

A aliança é posta ao jogo, na mesa de bar. A câmera aparentemente mais próxima daquela objetividade inicial, mostra-se também embriagante. O que Ele (Ramón) vê? Ao expectador é apresentada novamente a fantasia, dessa vez mais simbólica e mitológica: a mulher como alucinação endeusada, figura divina. A fusão das imagens nessa parte é essencial para compreender que aquela mulher (Giovanna) é na verdade uma sobreposição de imagens que surgem na cabeça do personagem (Ramón), sendo múltipla ao mesmo tempo em que é única. Aquele homem, ator de si mesmo, veste sua máscara e dá glória, de braços abertos, totalmente entregue à contemplação. A representação fantasiosa daquela mulher (Giovanna) corresponde aos seus anseios desejosos: selvagem, seduz, ronrona voraz, dona de si e serva da bestialidade humana. É celestial e endiabrada.

A câmera surge com uma terceira função, diferente do registro da realidade ou da fantasia, a câmera é testemunha: o homem (Ramón) é vítima de si, está aflito: surge em posição fetal, num espaço vazio que lhe é externo e interior: eis a sua nova condição. Ela (Giovanna): cabelo no rosto, cabisbaixa, imóvel: novamente uma incógnita! A câmera que no início do filme parece criminalizar toda vez que aponta para a aliança, agora é justa à todas as perspectivas dos “fatos”.

Palco, atores e um filme que se faz: a câmera volta a documentar. Insubordinada à fantasia, o plano é aberto e geral: visão de todos nós. A câmera é platéia presente, espectadora. Não há mais simbologia, apenas a realidade do teatro. O que vemos?

O diretor escolhe o elenco, mas é a câmera que designa os papéis – deixa-nos notar a brusca sutileza das expressões faciais. No momento do ensaio, o trecho encenado é irônico e muito significativo. Afinal, não era D Juan o conquistador? Quem encena esse papel? Temos aqui o contraponto do texto dramaturgo e do texto-imagem que se compôs ao longo do filme, tal como o contraponto da fantasia lírica e da realidade tomada como nota.

O diretor (Mateus) aparece sentado frente a tudo, mas de costas pro mundo. Ele diz: “Ação!” e os atores contracenam. Entendemos que aquela imagem nesse momento é concebida pelo personagem-diretor (Mateus), assim como todas as imagens que se entrecruzam entre realidade, fantasia e testemunho são na verdade concebidas pelo diretor do filme (que também é o Mateus). Eis um discurso puramente meta-artístico que, mesmo quando não proposital, está na alma e na obra de todo artista! Idéia clara que se sustenta na seqüência em que o beijo se finda na direção do diretor (preservo a ambigüidade).

Nessa seqüência, infelizmente, a cena do beijo não consegue atingir o seu potencial. Nem tanto pela movimentação de câmera que a antecede, mas pelos efeitos sonoros. O oito que a câmera registra em volta dos personagens é a parte mais importante do filme, pois é onde a realidade e a fantasia são uma só. O som e a ausência de som são muito importantes em D JUAN. Nessa cena, ainda que o efeito seja forte, o silêncio não alcança seu significado, pois não é ulterior a um fundo musical. Se assim fosse, silenciaria tudo aquilo o que tem vontade de dizer, mas não diz. Perde-se uma das feições mais interessantes do filme que é justamente a hesitação...

Solto, sem acontecimentos de começo ou fim, o filme não se prende a um enredo, titubeia a seu favor! D JUAN mostra alguns momentos “reais” aos personagens, momentos que se intercalam com a duração intemporal do “sonhar acordado” de um único personagem.

Seu final é mesmo um branco que acorda ao fechar a cortina, sem fade-out.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

D. Juan e o que ele me disse

Falar de um vôo não é voar, quando vejo urubus lá no alto, no entre o céu e o chão? quase sinto o que é voar, o que fica é o desejo, a falta. A emoção. A proximidade da liberdade. As vezes a raiva. Falar de um trabalho artístico ou não, pra mim só será possível quando o toque for feito ferida no corpo, o corpo passa, mas a ferida fica, às vezes como um vazio, às vezes por deleite próprio. Falar. Aqui eu não escrevo.

calmo, silencioso, o tumulto da indecisão, a perturbação, logo, a inocência; a sedução, desenhada em forma de ninfa atrelada aos caracóis do tempo, mostram em d. Juan , que o mundo não é tão contido, e que o Poder ora vem de doces e suaves e(r))vas ,

A vastidão onde os caracóis foram colocados podia dizer desde os primeiros segundos quem está no poder- que palavra forte não? Quando digo isso, refiro-me ao inicio das dedilhagens no tempo negro que geoavana faz no filme d. Juan, um projeto experimental como a vida, seu dedo rotacionando seus cabelos , encontrando a delicadeza de um passa tempo e, de um tempo que passa dela pra alguém. Quem? Difícil talvez seja gostar de imagens tão naturais, de poesias que encontramos nas gavetas das horas mais comuns- os que procuram longe de sua vida a arte, de certo iriam ou condenaram calmamente e dizendo-se detentores do poder de dizer o que presta pra degustação e o que não presta. Termos delicados esses não? Prestar,,, o que diria um homem da caverna sobre : PRESTAR?

O que me ficou fixado e me faz escrever é o simples fato dessa obra existir, ou pelo menos, procurar existir- os paleolíticos quando pintavam formas naturais em cavernas escuras, sem o ímpeto ou sem a necessidade de decorar o espaço com as imagens de animais,,, pois aquilo supostamente já “decorava” seu interior de homem anarquista nômade, sedentário, necessitado daquilo, pintavam pela magia, por acreditar que aquelas imagens cravadas numa caverna escura seriam ,e de fato eram, a própria caça que tanto estimavam ter para sua sobrevivência. Assim parece que este filme é feito, cravam-se em uma caverna, parte “diária” das necessidades de um grupo de artistas, uma tentativa bem executada de dizer que aquilo- a arte- é seu objeto de caça,

o animal preso e livre começa dançar. A aliança de um compromisso que ele- d. Juan- teme aceitar, solta-se na parede do som, do silêncio, dos gestos intranqüilos, que Ramon executa sem muitos esforços; um cara sozinho, esperando algo, toca seu violão, uma balada como quase todas, triste. Parece que nele foi jogado a roupa do medo. E ela? Quem é ela?

O Suposto, dedilha seus conflitos no violão, preso por uma áurea dourada no dedo, esse não se movimenta sozinho, por insegurança ou deficiência leva outros dedos junto. Isso me faz lembrar por um surto e por conversas com o Mateus do Kafka, que sempre traz um personagem com uma estória/história longa, anterior àquela imagem supostamente primeira que coloca o Gregor como um funcionário que tenta pagar a divida do pai,,, mas possibilita imaginar/criar que ele foi uma criança, e como terá sido sua infância? Faz lembrar da senhora Grubach, teria ela tido namorados? Sorrido algum dia por ter vestido uma roupa alegre em sua vida?Ou sempre vivera no clima de servidão e intromissão, tendo alegria às vezes...? Assim fiquei a pensar como era o Antes da perturbação que d juan neste filme passa, e parece ficar nela,

aí, comecei a andar junto aos figurantes, naquele exercício típico ao teatro e típico ao caminhar nas horas que ficamos andando nos pensamentos, olhando pro nada tentando ficar ereto, só que o som perturbador da cobrança fica e ficou me prendendo no então foco do filme, d juan e sua caça, até então. Num suave esbarrar na pele do outro, parecendo um desejar entrar no outro, todos caminhavam, mas logo naquele andar onde doces lobos se cruzam, ele vira caça. E por ter em sua construção histórica ao longo de no mínimo dois séculos um fio de autoridade, força bruta e sedutora, descompromissado e quase um cético, neste filme ele começa a naufragar, assim como delacroix pinta o naufrágio de D. juan naquela miúda canoa cheia de gente, Mateus e todos os participantes dão Constancia ao naufrágio de mais um homem comum, que vai definhando nas águas que pouco se ver o interior, e por isso pouco se entende onde está. Onde a insegurança se aloja e aquele passa a ser desejado e perseguido por uma espécie de cobra.

Quando o diretor só de uma perna- isso depois pensando que pode ser um “erro” deixei de considerar como um ato emblemático- pede para os dois atores principais executarem a cena onde d. Juan seduz d. Elvira e ela em silêncio o qual passa o filme inteiro, se entrega , e tudo parece ganhar o que eles implicitamente quereriam, o prazer do amor que sede, e a câmera dança, como falou Marat em sua parábola, dança e para na realidade do ensaio da dança, onde o diretor, o cara que segura o microfone, e os outros, aparecem, coisas reais?

Um dos pontos mais interessantes nessa narrativa quase muda, é quando o todo não se entrega ao fantástico, e que difícil isso, se fosse assim possibilitaria outras intertextualizações, mas não, prefere-se a narrativa do”real fantástico”, um ensaio de teatro, onde todos estão encenando a si próprios, procurando por si, e tudo pode ser mastigado como o cigarro que vai roendo o tempo na boca do d juan em Belém do Pará, com o rosto suado, nervoso talvez, ele já abandonou a aliança ? Quase livre, não estando na caverna, mas prisioneiro do vento engolido que ele levanta em seu pensamento, O medo.

Aí, eles me colocam a musica que acende a cena da sedução, onde ela ali, a ninfa, se metamorfoseia em uma fugaz e encantadora cobra, subindo e palpando a árvore, onde obriga d juan, se enclausurar e perder talvez um jogo onde ele combatia a si, joga sobre seu rosto a máscara do ser anônimo, põe por vontade própria, e é visto do alto, a câmera que o congela sua imagem mais parece os olhos dela , quem é ela? e some [ , baixam-se as cortinas]

O fazer, as experimentações, as procuras, as contaminações e os etc como tais nesse mundo onde a arte é colocada em múltiplos caminhos, inclusive o mais evidente: o de servir ao mercado, é difícil para cabecinhas presas no título de ainda colonizadas, aceitar que estamos no submundo das produções, ainda que essas cabecinhas tenham bem esclarecido tudo isso, a procura de uns modelos de um fazer teatro, de um fazer cinema, fazer arte, parece vedar os olhos para o FAZER de tudo isso e outros mais de e em Belém, no Pará, e outros campos. Não quero com isso dizer que as precariedades desse nosso mundo virem arte, não, mas audácias poéticas como tais, produzidas na precariedade, com força coletiva, no mínimo sentidos devem mergulhar nesse oceano

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Anônimo (e-mail)

sábado, 30 de outubro de 2010

Texto de Marcelo Marat sobre D.Juan

À caminho de casa me vieram algumas impressões – antigas e novas – sobre D. JUAN, O FILME. Primeiro, como roteirista, fico intrigado pela escolha em inverter o papel de D. Juan: o conquistador sente-se ameaçado quando a mulher que pretende conquistar revela-se não a vítima submissa, mas a predadora. Se a personagem mantém suas características cínicas, o ator que o interpreta sente-se ameaçado, inseguro e curiosamente redimido: D. Juan vai para o inferno, mas ele é santificado pela mulher ao mesmo tempo santa e vampira.

Na montagem, o ritmo das imagens torna-se exato justamente para mostrar essa relação, a forma como se constrói a ligação entre os dois, desde a primeira vista, passando pelo primeiro contato no exercício teatral até o choque da descoberta dessa mulher – e desse homem. Os atores constroem isso de forma bastante sutil, com expressões precisas, bem marcadas, ele ora confiante, ora assustado, ora inquieto, buscando identificar nela uma reação que a explique e devolva a ele o controle. Mas ela não revela nada. É uma esfinge, um enigma. Vemos isso em três momentos: na abertura, em que o que se vê dela é apenas um detalhe; na definição dos personagens, em que ela não demonstra qualquer emoção; e na cena em que ela está sentada com o rosto oculto pelos cabelos.

Penso que o filme evita um de meus defeitos na montagem, que é a onipresença da música como moldura para as cenas. Em D. JUAN a música só aparece no momento certo, tanto que às vezes levei um choque, pois me habituava ao silêncio em algumas sequências. Acontece o mesmo quando a ação é centrada no ensaio das falas, e há uma quebra do plano fixo que se mantinha por bastante tempo, e então a câmera “dança” em torno do casal, numa vertigem, para a cena perfeita do beijo.

Esse cuidado com a montagem mostra, para mim, a valorização da imagem, que afinal é a essência do cinema. As imagens foram pensadas no filme para instigar o espectador, para inquietar e não deixá-lo acomodado. Como linguagem (comunicação de mensagem), o filme só se completa com essa visão não passiva, quando cada espectador vai entender esse romance entre atores e personagens, nos dois ou três níveis em que se passa a narrativa (realidade e ficção; um filme sobre uma peça que será o filme) da forma que lhe for afim. No meu caso, vejo como uma parábola freudiana sobre o medo da castração, um exercício metalingüístico entre cinema e teatro, uma experimentação totalmente subjetiva na linguagem do cinema.

E pouco importa se às vezes a sombra do câmera aparece em cena, se as regras acadêmicas são quebradas aqui ou ali. O respeito pelas imagens fica evidente no resultado final: é bom cinema, feito com tesão por essa arte ainda tão nova, com um prazer que passa para quem assiste – especialmente para quem assiste e realmente curte cinema.

Eu fiquei nervoso antes de ver o filme porque tinha medo que o resultado fosse decepcionante – e se fosse ruim, se eu não gostasse, diria isso com todas as letras, como sempre faço com conhecidos, nas diversas linguagens artísticas em que eles trabalham. Aliás, como fiz em relação à cena do microfone, que é a única parte que eu não gosto. Eu tiraria o rapaz com o microfone daquela sequência.

Felizmente – e que alívio! – o resultado foi ótimo, tão bom quanto eu esperava e queria que fosse. Entendi melhor o filme ao revê-lo. E gosto mais cada vez que vejo. Caras, deu certo! EVOÉ! Quero ver o próximo. Quero fazer um. Tomara que outras pessoas também queiram, e percam o medo e façam e mostrem seus filmes. Nós, pobres mortais presos nessa cidade-inferno, tão medíocre em iniciativas culturais, só temos a ganhar com isso.

Marcelo Marat.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

“e se acaso distraído eu perguntasse ‘para onde estamos indo?’ (...) ‘estamos indo sempre para casa’”

Como toda boa série sobrevivente o primeiro episódio de Anos Incríveis contém a essência de todo o seu projeto. A diferença essencial, entre esta e as outras séries, é que em Anos Incríveis tal episódio atinge o status de obra-prima. Convenhamos, Anos Incríveis não é qualquer série.

Começa.

A voz rouca de Joe Cocker brada o refrão imortal de With a Little Help From My Friends (hino máximo de sua era) e acompanhamos uma sequência de imagens domésticas de uma família de subúrbio americano. Abruptamente seguem-se turbulentos e frenéticos flashes de imagens de noticiário do ano de 1968. A idéia é: durante 5 anos acompanharemos a História e a Estória, o macro e o micro, o coletivo e o pessoal. A voz que nos conduz, através do tom das memórias, refletirá nostalgicamente os anos (incríveis) de sua infância: um irmão mais velho insuportável, um pai amedrontador, uma mãe conciliadora, um melhor amigo inseparável e, claro, a menina dos olhos da vizinhança.

O que aconteceu no ano de 1968? Se você perguntasse a Kevin Arnold – ou a qualquer outra criança de 12 anos que vivia em um subúrbio americano – ele diria que Denny Mclain [jogador de baseball] ganhou 31 jogos, ou que o Mod Squad [série de TV] era um sucesso, etc. É claro que o ano de 68 também foi o ano da morte de Martin Luther King, da Guerra do Vietnã e do impeachment de Nixon, mas falaremos disso depois.

Falemos agora de outras coisas mais urgentes.

Maldizem por aí a TV - suporte nascido nos anos 50 - por ela reciclar toda a linguagem cinematográfica construída em mais de 50 anos. A pergunta cabal é: E daí? Afinal, o que fez o cinema senão reciclar linguagens construídas há milênios? Toda nova arte é uma fênix, nasce das cinzas de suas primas; todas vieram do mesmo pó, e todos ao pó retornarão. Toda prole, aceitemos ou não, relembram os traços de seus pais, porém cada impressão digital contém um desenho. O travelling, que vai se colorindo para se encerrar num close de um menino aflito para alcançar a bola de football numa rua qualquer de um subúrbio americano, é uma das mais belas apresentações de personagem, não apenas da TV, mas de toda a linguagem audiovisual. Marlens e Black se apropriam da decupagem clássica, construída por Griffith, Murnau, Ford, Leone; e assim como Murnau bebeu de Griffith, Ford de Murnau e Leone de Ford, o casal sacia-se na fonte, e como Murnau, Ford ou Leone, criam o novo: falemos de obra, e de lógica interna. De ferramenta, e de seus limites: se a tv não tem o tom épico do cinema, o cinema não tem a tom minimalista da tv. Contar uma estória audiovisualmente com o mínimo, atingir a economia, apenas o estritamente necessário - não confundir com a humildade, a busca humilde. O estilo de Anos Incríveis, por se tratar de obra audiovisual, se evidencia na construção dos sons e imagens! Todo ele já presente e vibrante no episódio-piloto: a inserção das imagens domésticas na construção mnemônica dos sentimentos familiares, o poder atmosférico da cultura (da moda, das canções, do contexto político) e sua presença nos corpos, a mise-en-scène seguindo sentimentalmente o nível de percepção do mundo de seus personagens, o acompanhamento psicológico do crescimento destes seres e, lógico, a inigualável força poética da narração em primeira pessoa sob o tom lírico da busca de um tempo que se perdeu. Pois se, acima de tudo, Anos Incríveis é um série de sensações mais que de fatos, é porque não acompanhamos os fatos, mas a imagens (impossíveis) que brotam desta narração – subjetiva por excelência.

Diante de tamanha potência narrativo-imagética, a cada episódio que assistimos de Anos Incríveis, surge a pergunta: afinal, o que representa a TV dentro do universo audiovisual? Assim como já aconteceu com o cinema, a TV é considerada a prima pobre ou, ao contrário, a prima rica, a fútil que só quer saber de ganhar dinheiro. Partindo da idéia de que pouco importa para a Arte da onde ela tenha vindo, ficamos com uma questão central dentro da discussão: qual a diferença entre cinema e TV? Seria o caso de considerarmos como maior diferença não a linguagem (pois se trata do mesmo audiovisual do cinema), mas de circunstâncias de produção. E no que diz respeito a essas circunstâncias, a TV tem muitas particularidades: o “dever” de “agradar” o público, a produção semanal de episódios (no caso do seriado), além da eterna ameaça dos índices de audiência que dão palavra final sobre a sobrevivência ou o extermínio de um programa de TV são algumas delas.

Anos Incríveis se dá neste ambiente, e ao invés de Carol Black e Neal Marlens (criadores da série) ficarem reclamando para si o status de “cinema na TV”, eles extraem da simplicidade estética (e lembremos como é difícil alcançar a simplicidade!) e da narração a longo prazo, que quase sempre permeia um seriado, os momentos sagrados da epopéia de um garoto de 12 anos que todos nós fomos. E a que estamos nos referindo quando afirmamos que os criadores desta série não reclamam para si um status de cinema? É que em Anos Incríveis não existem referências a grandes obras cinematográficas que exerçam a função de legitimar a série como obra séria: tratam-se de ressonâncias de uma cultura audiovisual que Black e Marlens compartilham e que são evocadas sempre que podem contribuir para a construção do universo proposto. John Hughes, Martin Scorsese e Charles Chaplin não são simples notas de rodapé a serem consultadas por Black/Marlens, o casal de roteiristas e produtores da série é acometido pela mesma paixão da qual esses outros gênios sofreram: a necessidade de transformar seu coração em imagem/som.

Afinal, o que aconteceu no ano de 1968? Se você perguntasse isso ao público que acompanhou Anos Incríveis a resposta certamente seria que Brian Cooper estava morto, e que Kevin e Winnie tinham se beijado pela primeira vez. É claro que é o ano da morte de Martin Luther King e da Guerra do Vietnã, mas para um certo garoto, morador de um subúrbio qualquer, do alto dos seus incríveis 12 anos de idade, esses fatos não eram, de forma alguma, menores do que o seu primeiro beijo e a morte do cara da sua rua que definia o que era ser “cool”.

Entre 1988 e 1993, toda semana, lares ao redor do mundo eram invadidos por um dos maiores épicos já empreendidos pelo audiovisual. Ao (re)visitá-lo mais de 20 anos depois, um prazer se sobressai: o de estar vivo. Anos Incríveis é uma escola, um documentário, uma roda de amigos, um colo de mãe, um lar.

Relaxemos, e aprendamos.

Mateos e Felipe Cruz.

p.s: texto escrito para a estréia do Tv Clube.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Amanhã, a estréia oficial do D. Juan


Sinopse:
O encontro de lobos.
O homem é lobo do homem.
A mulher é loba da mulher.
A ribalta é a lua cheia,
onde o encontro das bestas será aceito.

Informações Técnicas:

Filme rodado nos dias 27 e 28 de julho de 2010 pela produtora independente Sr. Cheff Produções. Contou com o apoio da ETDUFPA (que cedeu o local de filmagem, com iluminação), o CEPEPO (que cedeu a câmera e os cinegrafistas), a MTV BELEM (que cedeu o microfone), a PARACINE (que bancou a alimentação) e a SINTDACPA (que cozinhou de forma admirável).

D. JUAN

Título: D. Juan
Realizador: Mateus Moura
Assistência: Felipe Cruz
Produção: Sr. Cheff Produções
Atores: Ramón Rivera, Giovana Miglio, Haroldo França, Felipe Cruz e Mateus Moura
Música original: Ramón Rivera
Trilha sonora, montagem e fotografia: Mateus Moura
Figurino: Cassiane Dantas
Duração: 33 min
Formato: 16:9 & 4:3 / Cor / Digital



Parte da equipe de Produção
Sr. Cheff Produções é:

Mateus Moura
Felipe Cruz
Luana Beatriz
Luah Sampaio
Juan Pablo
Samir Raoni
Janaína Torres
Glenda Marinho
João Pedro Rodrigues
Neto Dias
Cassiane Dantas
Max Andreone
Giovana Miglio
Ramón Rivera
Haroldo França
Harrison Lopes
Vanessa Silva


Serviço:

27/10 (quarta-feira)
Em 2 sessões: às 19h e às 20h
No Teatro Cláudio Barradas - Tv. Dom Romualdo de Seixas, 820
Entrada franca.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Esses viados são uns filhos da puta! (e Viva Nossa Senhora de Nazaré!)

[Ópera Profano. Dramaturgia: Carlos Correia Santos. Direção: Gual Dídimo e Haroldo França.]

Sempre pra escrever de teatro eu penso 2 vezes, não conheço muito da História da Crítica ou mesmo da História do Teatro. Mas decidi pelo menos registrar minha admiração pelo musical (musical!) que assisti na semana passada no Teatro Cláudio Barradas.

Esse blog pode parecer meio machista às vezes, e às vezes realmente o é, mas que fique registrada a minha admiração pelos gays, no campo da arte principalmente, mas também em todos os outros campos. Tem uns viados que são fodas.

O Dirty Harry falava que ele não tinha preconceito: ele odiava todo mundo... ensinou o meu caminho da libertação: Eu, escorpião por excelência, desconfio de todo mundo, sem exceção. Outro dia, de frase em frase, chegou-se no dito, que em breve será popular, de que “toda relação é bissexual”. Duvido alguém discordar – é fato: todo mundo é masculino e feminino.

O OPERA PROFANO só não deve ter os arranjadores musicais de homossexuais – entretanto sabemos que a música é a mais feminina das artes, e como o Ramon Rivera e o Armando Mendonça fizeram uns arranjos geniais, temos certeza que este lado é realmente aflorado neles, são uns verdadeiros sereios.

Não me entendam mal os aponta-dedos da sociedade, não to mal-falando ninguém, pelo contrário, to tentando apenas estabelecer o lugar cínico da arte na guerra dos sexos. A peça é um coração gay (paraense) que transpira e discute sua condição, mas o que me interessa é como isso é afirmado esteticamente.

Quem tentar procurar defeito no OPERA é um enrustido! Um diamante é lapidado a cada ensaio. Diamante concebido por Carlos Correia, dirigido e musicado por Haroldo e Guál, arranjado por Ramon e Armando, cenografado por Nelson Borges, iluminado por Sônia Lopes e encenado por um grupo de atores iluminados.

To falando de inteligência de construção, sensibilidade poética, trabalho coletivo – é quase como o Círio: profano, sagrado, erótico, sublime, vulgar, belo, pesado, leve, tradicional, revolucionário, poderoso, suave - tudo ao mesmo tempo na hora: É uma opera!

Atmosferas.

As cenas cômicas são extremamente bem colocadas (corajosas). Mas foram as dramáticas que me marcaram: o estupro das sombras foi uma das coisas mais lindas que eu já vi, e a mise-en-scène do imenso bloco final me fez levantar da cadeira de tão esplendorosa: o quadro de Baby – o profano ser – nos braços – como Pietá – da escória; a santa com foco de luz próprio em primeiro plano, a entrada da Trindade, o ritual de benção; o que tenho a dizer é uma só palavra: Conseguiram: OPERA PROFANUM.

No epílogo: a navalhada.

Se esse espetáculo não rodar o mundo, ele é realmente injusto. Vida longa...

Mateos.

p.s: 25, 26, 27 e 28 de novembro de 2010 vai ter apresentação...

domingo, 17 de outubro de 2010

Tarantinologia – fatia n°1 e nº2

Ja falei recentemente aqui no blog do meu apreço pela arte da culinária. (http://cinemateusmoura.blogspot.com/2010/08/caminhemos-para-que-um-dia-possamos.html)

O Miguel Haoni recentemente fez uma junção interessante do que o Hitchcock falava acerca das “fatias de bolo” que o mestre filmava, com o Pulp Fiction de Quentin Tarantino. Para ele, o filme que levou o jovem cineasta ao estrelato é algo entre a maionese [de Bazin] e o bolo [de Hitchcock]. (http://apjcc.blogspot.com/2010/10/pulp-fiction-no-cine-ccbeu.html)

Foi ao reassistir o Pulp Fiction na quinta, pela primeira vez em tela grande, que resolvi fazer uma sessão de textos aqui seguindo, de forma análoga, a montagem episódica tarantinesca. Ao invés de falar tudo o que todo mundo já sabe da biografia do cara, ou repetir todo o enredo pra deixar os leitores mais confortáveis eu vou me utilizar da minha incompetência de administrar o meu tempo para ir direto a certos pontos; nem sei se os essenciais, mas os que mais me dão gana de tagarelar.

Sem tentar abarcar o bolo, beliscarei as fatias. Aos interessados...

Tarantinologia – fatia n°1 e n°2

[Pulp Fiction - Butch]

1.

Entre o humor e a ação, uma sequência do mais inocente jogo de amor. A relação entre Butch e Sebastiane é tão puro como aquele longínquo entre Carlitos e a Paulette Godard nos Tempos Modernos – estes também se despedindo estrada a fora, porém de chopper.

A construção toda da cena de apresentação de Fabiane, que evoca também os mais tocantes momentos de Godard ao filmar as relações amorosas entre um homem e uma mulher, é assustadoramente verdadeira e grandiosa em sua realização. Entre a gag inocente do “prazer oral” (e o escovar dos dentes), as brincadeiras inocentes de casal no banheiro, o lento desvelar da beleza natural e inocente de uma linda mulher de camisa e olhar apaixonado, um não tão inocente momento de torpor entre o sonho e a realidade.

É este momento em que Butch acorda que Tarantino decide filmar liricamente, através de zooms... este espaço-tempo mental perifeérico entre o sonho e a vigília, onde tudo é névoa de realidade. De um pesadelo, Butch desperta ofegante. Na tv ligada, cenas de guerra. No banheiro, seu amor escova os dentes. Sabemos já de toda a relação de sofrimento de seus antepassados com as guerras que tiveram que atuar. O som da tv em explosões talvez ecoe as imagens do pesadelo do qual acaba de despertar - e do qual não se lembrará quando totalmente consciente. No seu mundo escroto apenas uma salvação, em forma de mulher – esta que sai do banheiro aflita com o grito de seu amado. Tomamos o ponto subjetivo de vista deste homem, que é assaltado negativamente pela imagem da guerra, positivamente pela imagem dela, até juntar estas duas nessa confusão de sensações – ela vai parar, por acidente de reflexo, dentro da tv (ou mais especificamente, da guerra, ou mais especificamente, do perigo), e o pesadelo de Butch, em vigília ou durante o sono, ganha o seu contorno mais certeiro se afirmarmos que se trata do medo de perder quem se ama, e da responsabilidade que carrega colocando este bem amado em perigo.

Tarantino filma a beleza sexual dos corpos se tocando em gestos de amor e carinho de forma tão sublime e verdadeira quanto as neuroses e medos que advém de tudo isto.

2.

Em outro momento, o cineasta filma o momento de uma decisão difícil que Butch deve tomar.

Sabemos de todo o périplo do relógio, sua estima e o seu valor, e a responsabilidade lhe foi destinada em sua preservação.

Voltando ao seu apartamento para o resgate, uma série de fatos bizarros ocorrem. Entre eles, o seu encontro fatídico e prosaico com Marsellus Walace no sinal de trânsito, que, em luta e fuga pelas ruas, os levam para a única loja que não podiam entrar, onde são “capturados” pelos maníacos sexuais.

No “unidunitê” Marsellus leva a pior e enquanto é currado Butch consegue se desvencilhar das cordas e do escravo sexual e corre porta a fora daquele pesadelo. Na beira da saída, porém, ele pára, e reflete.

Uma espécie de “moral anal” é o que o impede de deixar pra trás aquele soldado, mesmo que seu mais perigoso inimigo. Ele ouviu todas as histórias referentes ao sofrimento de seu pai em alojar um relógio no ânus por anos. A filosofia é maxista por excelência, a defesa irrestrita é a da virilidade e o pagamento àqueles que tem a petulância de violar o santo buraco é a pior das mortes em técnicas de tortura medieval.

No fim, apesar de, durante a revanche contra Zed e seu companheiro, os dois se prostarem várias vezes um atrás do outro com armas fatais (podendo finalizar os seus respectivos “problemas”), ambos, pactuaram, desde sempre, a partir de sua formação cultural, que não se pode atacar outro homem pelas costas, sob qualquer forma ou circunstância. É a lei do Oeste.

Mateos.