terça-feira, 30 de março de 2010

Tragam-me as entranhas de Martin Scorsese

Têm coisas na história do cinema que realmente me intrigam. Grandes cineastas como Dario Argento, que envelhecem, e perdem a mão. Ou um grande crítico como François Truffaut, que vai dirigir, e não acerta a mão. Ou grandes cineastas medíocres, como Francis Ford Coppola, que fazem obras-primas máximas ao lado de sujeiras vergonhosas. Tem também os atores que julgamos ingênuos (apesar de grandes atores) e se tornam grandes cineastas (como Clint Eastwood), vice-versa também (como De Niro).
Tem grandes cineastas que fazem obras-primas a vida toda, e quanto mais velhos, melhores. E grandes cineastas que, apesar de continuarem num nível de “grandes cineastas”, não repetem mais a genialidade da juventude.
Na minha opinião, o último grande filme do grande cineasta Martin Scorsese foi Cassino, em 1995. E lá se vão 15 anos. E não porque ele tenha feito filmes medíocres diante do contexto contemporâneo, mas medíocres diante de sua obra, e da história do cinema. Sim, por que acredito que um cineasta como Scorsese deve ser analisado nesta seara: a das obras importantes para história da arte que ele ajudou a colocar no lugar onde se encontra.

Gosto de “Ilha do Medo”, mas, tal qual “Os infiltrados”, acredito que não acrescenta uma vírgula na história da sétima arte. Também compreendo que nem todo filme deve ser revolucionário, etc. Mas admito que sempre espero mais de Scorsese, assim como sempre espero menos de Tarantino. Não sei explicar perfeitamente o “por que” dessa minha tendência, mas sempre que sento para assistir um novo filme de Quentin, o subestimo, por que tenho a intuição que ele já disse o que tinha pra dizer, que não vai mais me impressionar... e sempre ele me surpreende. Com Scorsese é justamente o contrário, nos seus últimos filmes (os únicos da sua carreira que vi na tela grande) sempre o superestimei, sentei para assistir a nova obra de um dos maiores gênios do cinema... e sempre ele me decepcionou.
Por estimá-lo como um dos grandes, fico na dúvida se o problema é com o meu olho míope, minha curta percepção. Refleti bastante se deveria escrever ou não. Vejo isso nas críticas por aí, esse medo em levantar a voz contra o canonizado (e cinéfilo gente boa) Scorsese, que deu tanto prazer e conhecimento a toda uma geração. Se é heresia levantar a voz para Scorsese, ué, vamos lá. Me agrada a conduta de homens como Glauber Rocha, que detonaram obras e autores e, na revisão, as resgatou e as idolatrou. Mudar de opinião é obrigação de qualquer crítico, denota evolução.
Vejo milhares de pontos para se colocar em evidência na obra, se o caso for elogiá-la. É o mesmo problema que encontro nos filmes de Truffaut. Peguemos “A noiva estava vestida de preto” por exemplo, é um filme cheio de idéias áudios-visuais interessantíssimas, idéias narrativas geniais, idéias, idéias, idéias... Truffaut era um homem tão inteligente, um dos mais inteligentes que existiram na história do cinema, mas na hora de ser o metteur-en-scène não tinha aquela manha, fazia cenas interessantes até, tocantes até, mas não atingia um Hitchcock, creio que nem um Chabrol. Por que, se ele sacava tudo de cinema? Questão de talento, acredito; como ele mesmo pregava: “questão de vocação”.
E quando se tem essa vocação, esse talento nato? E ele ainda é potencializado com a apreensão cada vez mais específica da técnica, alimentado pela apreensão cada vez mais abrangente da cultura? Como, paradoxalmente, vai se esvanecendo? Como a experiência pode não significar sabedoria, mas velhacaria? São questões que não serão respondidas, eu acredito, mas que são reconhecidas, em casos como o de Dario Argento, e o de Martin Scorsese.


Felipe Cruz disse que “parece que ele deixou de ser gênio pra ser inteligente”. Isso me lembra o Truffaut, na sua passagem da crítica pra realização. Dos pontos que posso considerar interessantes no filme todos são características de um homem inteligente, estudioso, amante do cinema, erudito da arte. Pegar o tema da loucura não apenas como conteúdo, mas como forma da obra é o mínimo para um artista (quem assim não o fizesse que nem se considerasse como tal), além do mais ‘Taxi driver’ nos mostra a diferença do “como” e não do “que” ele pode fazer. O “cinema de palimpsesto” que Scorsese, assim como Tarantino, tem feito não pode ser julgado como qualidade, mas como característica autoral, do mesmo modo, no caso de Scorsese, o mundo visto pelos olhos do personagem principal. Tais marcas acompanham o cinema desse autor, mas o filme não pode ser “bom” porque as contém, se assim for, todo filme de Scorsese é “bom” a priori. Falo dessas coisas porque vi o filme ser aplaudido por conter essas características, e não vejo louvor nenhum, já que é o homem que dirigiu Touro Indomável quem está atrás das câmeras.
Falemos essencialmente da poética cinematográfica, esqueçamos um pouco a psicanálise e a história, o roteiro de reviravolta “emocionante”, a trama surpresa, o trauma de culpa, a confusão de identidade. Cito a grande cena do filme, para estabelecer a diferença com o resto – com o que o resto do filme não é. A cena da apresentação do personagem de Max Von Sydow. O flashback, os movimentos de câmera, o plongée, os papéis voando, a decupagem, a morte, o sangue... coisa de cineasta. Aliás, é um filme de cineasta, e a primeira cena também deixa isso claro. Mas onde sobra vigor falta rigor. Acredito que o filme de Martin fracassa, mais um.
Comentei com o Felipe Cruz que o que salvaria o Scorsese era acontecer uma crise no cinema americano, neo-maccarthismo, ele ser exilado, fazer cinema independente. Aí ele ia ter que fazer filme fodido e morrendo de amor pelo cinema. Acho que o roteiro, o Di Caprio, Hollywood, tudo ta atrapalhando. Eu sei que tudo o que ele queria era ser apenas um diretor da grande indústria, como seus ídolos Ford, Hawks, Hitchcock. Mas acredito que se ele olhasse para seus outros ídolos Rossellini, Bava, o seu rumo ia mudar, seu cinema ia encontrar seu habitat natural.
Como amo o cinema de Martin Scorsese! Amo tanto que estragaria a sua vida só pra ele fazer um daqueles filmes de novo. Daqueles das entranhas.

sexta-feira, 26 de março de 2010

É preciso se esclarecer

É preciso esclarecer. A crítica também é necessária. Sobre Belém, sobre o cinema em Belém – de novo. Primeiro, sobre o circuito comercial de cinema, e no âmbito uma reflexão sobre a minha geração, e o que vier disso. Brainstorm. É preciso esclarecer, façamos juntos – agradeço quem ajudar.

Sou de uma geração de cinéfilos que não freqüenta demasiado o cinema. Parece absurdo colocar na mesma frase que se é cinéfilo e que não freqüente muito o cinema, mas esclareço: A minha é a geração da internet, da democratização total da cultura universal, da posse a um clique, do auto-didatismo, do cineclubismo. Me sinto muito feliz por fazer parte dessa geração: a dos baixadores e compartilhadores. Todos os dias álbuns, filmes, livros, quadrinhos e fotos são baixados e vão sendo armazenados nos DVDs e HDs que coleciono; os compartilho, sempre e com todos. Ir ao cinema, só se for pra ver Cinema, tem muita coisa na fila em casa para assistir. Não me interessa pagar R$ 8,00 para ir no Moviecom ver um filme insipiente e ainda sentir raiva devido a qualidade patética da exibição - aliás como uma rede de cinemas não contrata engenheiros que tenham noção alguma de estrutura e projecionistas que não sabem equalizar o som ou enquadrar a imagem eu nunca vou compreender. Corroborar com uma rede de cinemas que não prioriza nem a qualidade da exibição dos filmes é dormir num ninho de cobras, não falar sobre isso, é indulgência preguiçosa e letargia crítica (isso é uma auto-crítica tardia).

Sou, também, de uma geração de cinéfilos que não freqüenta demasiado a locadora. Obviamente pelo preço. Na Fox Vídeo, locadora que tem o melhor acervo da cidade, a locação – de catálogo – é R$ 5,50; comprando-se um DVD por R$ 1,00 e gravando os arquivos em formato .avi, dá pra se ter, por R$ 5,00, “pra sempre”, uma média de 25 filmes.

No fim o melhor mesmo é ficar em casa, baixando e vendo, emprestando e compartilhando. Locar apenas quando sai uma edição especial de algum grande filme, cinema apenas quando entra alguma obra que diga algo cinematograficamente. Acredito, sobretudo, que nada substitui o ritual da sala escura, e, mesmo com a ultrajante exibição do moviecom, ainda vale a pena ver Cinema, toda vez que possível.

A questão da exibição em Belém, aliás, é preocupante, não apenas nos circuitos de exibição comercial, mas até nos cineclubes (onde se presume que existem amantes pra caralho de cinema). Não to querendo puxar o tapete de ninguém, só a orelha. As exibições que são feitas no Olympia e no IAP são vergonhosas. Os técnicos no Olympia não se preocupam com o enquadramento e jogam o filme de qualquer jeito. Fui assistir “Aconteceu naquela noite” lá e assisti o filme em trapézio, e não em quadrado como deveria ser. No IAP a imagem vaza e se perde quase 20% da imagem, a história mais interessante que eu tenho sobre esse fato foi quando Vicente Cecim foi me mostrar os novos filmes dele lá e simplesmente sua experimentação foi gorada pelo defeito tecnológico. Ele acabou me narrando que sua intenção no filme era fazer a ação toda ocorrer naquele canto do quadro que não podíamos enxergar por causa do vazamento da imagem. Não to querendo puxar o tapete de ninguém, só a orelha. O filme merece respeito.

Outra ferramenta da minha geração é o Microsoft Word (onde escrevi este artigo). Ele faz o papel, entre outras coisas, de corretor ortográfico. Neste texto ele não reconheceu as palavras em português “cineclubismo”, “cineclube”, “projecionista”, “baixadores” e “compartilhadores”. Cada geração de professores tem suas vontades, suas realizações. A da minha é a de que estas palavras sejam conhecidas por todos na próxima geração, assim como queremos que ator, atriz, oscar, fotografia sejam tão facilmente compreendidas quanto enquadramento, mise-en-scène, decupagem e movimento de câmera.

Pretendo escrever sobre Ilha do Medo e Scorsese no próximo texto.

Mateus Moura.