sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Texto de Luah Sampaio sobre o D.Juan

O ar desconfiado e sem tom, sem saber... A cara de medo, de coitado. Passível a feitiço, daqueles brabos com nome escrito e enterrado, o seu poder é dela, e naquele olhar ELE se dedica apenas a ELA... A vilã?!

Vilã ou heroína? Essa é a pergunta chave de todo o filme, tudo parece uma ode as mulheres más... Aquelas que te comem te conquistam que batem e gostam de apanhar, mulheres de verdade! Aquelas que se transmutam em vários bichos, ora onças, ora cobras.

Quando ELA dá seu bote de cobra ao som de Coltrane, suas expressões possuídas de terror mostram o poder e visceralidade que possivelmente se pretendia ao pensar na cena. Ela é o jazz e o Horror. Metamorfoseia-se e ao invés de virar dragão, vira a cobra, venenosa.

ELE é varrido, jogado no chão, e ELA como alma penada apodera todos os seus desejos e todos os seus pensamentos, ELE sempre foi um anjo sem cara, e sua escolha independe dele, ELA sempre foi o Don Juan! ELE já tá todo arranhado e mordido pelo desejo, não se sai e não se entra!

As transições são magníficas! Quando do enquadramento do violão e a musica passa para a roda, ELA o cercando :“Vou te pegar!”; “Ah... Paixão”; um zoom e um close-up do desejo com batidas de coração como um tecnobrega louco. Logo depois aparece o plongée da culpa, sua aliança rodando, e sua confusão aparece como uma visagem, uma matinta-mulher maravilhosa num abrir de portas oriental.

O diretor, rapaz do signo de escorpião... (É, dá pra entender tudo!) Nas cenas finais, diz: “Agora, vamos lá, eu um apaixonado por cinema, vou falar de cinema!”. E a metalinguagem aparece de maneira sutil e bonita, um diretor: o mesmo, um plano bonito, o técnico de som aparecendo na cena e uma declaração de amor.

Ela não sai, fica, beija, e o beijo é rodeado, é apavorado, nos deixa tontos... E é muito gratificante ouvir a voz no final... Acreditar na poesia e acreditar que podemos fazer! O quanto é tudo tão difícil é tão simples quanto isso. Um puta sonho ligado ao absurdo, mas, isso tudo meus caros ainda é potência... Só quem viver verá!

Luah Sampaio

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Sobre a Arte (ou qualquer outra coisa que se pesque através de aforismos em montagem de atrações)

“Isso aqui não é poesia, mas profecia vivida” (Luís Alberto)

Orson Welles – que com o seu Cidadão Kane influenciou todos os grandes cineastas vindouros, e que com os filmes depois do primogênito influenciará ainda todos os grandes cineastas vindouros – dizia, no tom mais simples, que o artista é, tão-somente, aquele que expressa em uma obra a essência de sua personalidade.

A matéria-prima do artista é o não-era. A obra não diz nada, ela é. A essência do ser fede e perfuma, é o feromônio e a nhaca, o feio e o belo: a coisa.

Rafael Couto, durante um ensaioght em jam verbal comigo, trouxe o conceito do artista-decorador. Aquele que decora decora decora, e repete. Decora o pavão. Pavoneia.

Quem “faria” não é artista. O artista faz. E depois, não é tudo uma questão de ser ou não ser, mas uma questão de é. Uma questão de FAZER.

O novo – porém não se iludam – é o antigo criado. O novo é o n que renasce no ovo. N formas. Nascer – sim! – todos nascem; renascer – porém não se iludam – não é obra do divino, mas da vontade – demasiada humana. Sair do trem para o trilho, do horizonte para a estrada, da vida para o viver.

Só o profeta enxerga o óbvio, dizia Nelson Rodrigues. A inspiração – como não percebemos? – é apenas o movimento respiratório de sucção de tudo aquilo que a galera joga no ar. Resta, com humildignidade, expirar com os próprios pulmões. Porque – não nos esqueçamos! – quem com a pica dos outros goza, concebe apenas bastardos.

Porque a demagogia é a pior mentira que existe, porque a demagogia é uma mentira mentirosa, bradava Tim Maia, do alto de sua vagabundagem. A arte – ele bem sabia, de forma racional superior – pode transmitir verdade até na pior das mentiras. Basta a fé na essência, o tesão pelo instrumento de invocação e a entrega total no ritual. Com tal receita atinge-se, além do Bem e do Mal, do Belo e do Feio, da Verdade e da Mentira: o Inominável – aquilo que até podemos falar por alusões, mas que em si apenas é.

“Esqueçamos pois o incômodo dos calos. Falos eretos, adentremos; que a sina, o sino anunciam: é hora da abolição do tempo, da criação, do nascimento”: Palavra de Denotan. Graças há Deus.

Mateos.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Texto de Mariana Hass sobre D.Juan

O quase sorriso de um rosto, um início-mistério que dança como valsinha de composto binário: cabelo enroladinho no dedo. Uma apresentação da personagem que nunca se apresenta por inteiro – mas isso só se confirma na reminiscência das imagens que surgem até o fundo branco, ao final do filme. Quem é D JUAN?

Após ver a mulher que não se mostra, conhecemos um homem e como ele se enquadra: um cara casado. Ele é quem rege a dança das imagens. O compromisso de objetividade que aguarda o expectador é traído pela fantasia do homem (Ramón) seduzido pelas imagens que ele mesmo concebe. A câmera registra uma relação de atração que mesmo em registro não se comprova, pois se disfarça como uma narrativa de devaneios e pormenores morais que sempre retornam, e marcam-se pelo enquadramento do personagem principal à sua condição (a câmera sempre leal à aliança).

Os efeitos dessa direção surtem, mas uma seqüência de extrema importância deixar a desejar: a cena da perseguição no momento de uma aula de teatro. A atividade dos atores não parece um exercício de fato e, considerando a câmera nesse instante como objetiva e documental, a perseguição entre os dois personagens principais é muito explícita e não passaria tão despercebida pelos demais atores. A falta de verossimilhança provoca uma perda no tom, infelizmente. Por outro lado, a cena não perde seu valor e efeito, pois apresenta o ritmo do som como fundamental marcação da atmosfera criada no filme e como metáfora ao ritmo intenso do desejo crescente.

O filme, sem gênero predominante, confirma-se assinalado por sobressaltos do barulho ambiente, do ritmo das aulas e do silêncio do personagem principal (Ramón). A encenação e as aulas no teatro são a realidade, onde se configura o tempo e o espaço físico do personagem que se perde em divagações. Do devaneio ao desvario há um enlace entre o eu do homem (Ramón) e aquilo que a imagem da mulher (Giovanna) lhe transluz. Ele quer ela. Hesita... e também se entrega a fantasiar. É então que percebemos que som, iluminação e enquadramento são a tradução dos sentimentos e das sensações do protagonista (Ramón), tradução às vezes melancólica e ingênua; às vezes tensa e oclusiva.

Após conhecermos a imagem, a figura daquela mulher se apresenta ao personagem principal de forma já não tanto enigmática, pois é retratada por meio de um olhar intenso e desejoso (a câmera registra a personagem de Giovanna com um fiozinho de cabelo na boca, cheia de malícia). Campo e contra-campo, ele e ela, mas quem é que vê? A câmera ainda é imaginação ou é comprobatória de uma cobiça agora mútua?

A aliança é posta ao jogo, na mesa de bar. A câmera aparentemente mais próxima daquela objetividade inicial, mostra-se também embriagante. O que Ele (Ramón) vê? Ao expectador é apresentada novamente a fantasia, dessa vez mais simbólica e mitológica: a mulher como alucinação endeusada, figura divina. A fusão das imagens nessa parte é essencial para compreender que aquela mulher (Giovanna) é na verdade uma sobreposição de imagens que surgem na cabeça do personagem (Ramón), sendo múltipla ao mesmo tempo em que é única. Aquele homem, ator de si mesmo, veste sua máscara e dá glória, de braços abertos, totalmente entregue à contemplação. A representação fantasiosa daquela mulher (Giovanna) corresponde aos seus anseios desejosos: selvagem, seduz, ronrona voraz, dona de si e serva da bestialidade humana. É celestial e endiabrada.

A câmera surge com uma terceira função, diferente do registro da realidade ou da fantasia, a câmera é testemunha: o homem (Ramón) é vítima de si, está aflito: surge em posição fetal, num espaço vazio que lhe é externo e interior: eis a sua nova condição. Ela (Giovanna): cabelo no rosto, cabisbaixa, imóvel: novamente uma incógnita! A câmera que no início do filme parece criminalizar toda vez que aponta para a aliança, agora é justa à todas as perspectivas dos “fatos”.

Palco, atores e um filme que se faz: a câmera volta a documentar. Insubordinada à fantasia, o plano é aberto e geral: visão de todos nós. A câmera é platéia presente, espectadora. Não há mais simbologia, apenas a realidade do teatro. O que vemos?

O diretor escolhe o elenco, mas é a câmera que designa os papéis – deixa-nos notar a brusca sutileza das expressões faciais. No momento do ensaio, o trecho encenado é irônico e muito significativo. Afinal, não era D Juan o conquistador? Quem encena esse papel? Temos aqui o contraponto do texto dramaturgo e do texto-imagem que se compôs ao longo do filme, tal como o contraponto da fantasia lírica e da realidade tomada como nota.

O diretor (Mateus) aparece sentado frente a tudo, mas de costas pro mundo. Ele diz: “Ação!” e os atores contracenam. Entendemos que aquela imagem nesse momento é concebida pelo personagem-diretor (Mateus), assim como todas as imagens que se entrecruzam entre realidade, fantasia e testemunho são na verdade concebidas pelo diretor do filme (que também é o Mateus). Eis um discurso puramente meta-artístico que, mesmo quando não proposital, está na alma e na obra de todo artista! Idéia clara que se sustenta na seqüência em que o beijo se finda na direção do diretor (preservo a ambigüidade).

Nessa seqüência, infelizmente, a cena do beijo não consegue atingir o seu potencial. Nem tanto pela movimentação de câmera que a antecede, mas pelos efeitos sonoros. O oito que a câmera registra em volta dos personagens é a parte mais importante do filme, pois é onde a realidade e a fantasia são uma só. O som e a ausência de som são muito importantes em D JUAN. Nessa cena, ainda que o efeito seja forte, o silêncio não alcança seu significado, pois não é ulterior a um fundo musical. Se assim fosse, silenciaria tudo aquilo o que tem vontade de dizer, mas não diz. Perde-se uma das feições mais interessantes do filme que é justamente a hesitação...

Solto, sem acontecimentos de começo ou fim, o filme não se prende a um enredo, titubeia a seu favor! D JUAN mostra alguns momentos “reais” aos personagens, momentos que se intercalam com a duração intemporal do “sonhar acordado” de um único personagem.

Seu final é mesmo um branco que acorda ao fechar a cortina, sem fade-out.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

D. Juan e o que ele me disse

Falar de um vôo não é voar, quando vejo urubus lá no alto, no entre o céu e o chão? quase sinto o que é voar, o que fica é o desejo, a falta. A emoção. A proximidade da liberdade. As vezes a raiva. Falar de um trabalho artístico ou não, pra mim só será possível quando o toque for feito ferida no corpo, o corpo passa, mas a ferida fica, às vezes como um vazio, às vezes por deleite próprio. Falar. Aqui eu não escrevo.

calmo, silencioso, o tumulto da indecisão, a perturbação, logo, a inocência; a sedução, desenhada em forma de ninfa atrelada aos caracóis do tempo, mostram em d. Juan , que o mundo não é tão contido, e que o Poder ora vem de doces e suaves e(r))vas ,

A vastidão onde os caracóis foram colocados podia dizer desde os primeiros segundos quem está no poder- que palavra forte não? Quando digo isso, refiro-me ao inicio das dedilhagens no tempo negro que geoavana faz no filme d. Juan, um projeto experimental como a vida, seu dedo rotacionando seus cabelos , encontrando a delicadeza de um passa tempo e, de um tempo que passa dela pra alguém. Quem? Difícil talvez seja gostar de imagens tão naturais, de poesias que encontramos nas gavetas das horas mais comuns- os que procuram longe de sua vida a arte, de certo iriam ou condenaram calmamente e dizendo-se detentores do poder de dizer o que presta pra degustação e o que não presta. Termos delicados esses não? Prestar,,, o que diria um homem da caverna sobre : PRESTAR?

O que me ficou fixado e me faz escrever é o simples fato dessa obra existir, ou pelo menos, procurar existir- os paleolíticos quando pintavam formas naturais em cavernas escuras, sem o ímpeto ou sem a necessidade de decorar o espaço com as imagens de animais,,, pois aquilo supostamente já “decorava” seu interior de homem anarquista nômade, sedentário, necessitado daquilo, pintavam pela magia, por acreditar que aquelas imagens cravadas numa caverna escura seriam ,e de fato eram, a própria caça que tanto estimavam ter para sua sobrevivência. Assim parece que este filme é feito, cravam-se em uma caverna, parte “diária” das necessidades de um grupo de artistas, uma tentativa bem executada de dizer que aquilo- a arte- é seu objeto de caça,

o animal preso e livre começa dançar. A aliança de um compromisso que ele- d. Juan- teme aceitar, solta-se na parede do som, do silêncio, dos gestos intranqüilos, que Ramon executa sem muitos esforços; um cara sozinho, esperando algo, toca seu violão, uma balada como quase todas, triste. Parece que nele foi jogado a roupa do medo. E ela? Quem é ela?

O Suposto, dedilha seus conflitos no violão, preso por uma áurea dourada no dedo, esse não se movimenta sozinho, por insegurança ou deficiência leva outros dedos junto. Isso me faz lembrar por um surto e por conversas com o Mateus do Kafka, que sempre traz um personagem com uma estória/história longa, anterior àquela imagem supostamente primeira que coloca o Gregor como um funcionário que tenta pagar a divida do pai,,, mas possibilita imaginar/criar que ele foi uma criança, e como terá sido sua infância? Faz lembrar da senhora Grubach, teria ela tido namorados? Sorrido algum dia por ter vestido uma roupa alegre em sua vida?Ou sempre vivera no clima de servidão e intromissão, tendo alegria às vezes...? Assim fiquei a pensar como era o Antes da perturbação que d juan neste filme passa, e parece ficar nela,

aí, comecei a andar junto aos figurantes, naquele exercício típico ao teatro e típico ao caminhar nas horas que ficamos andando nos pensamentos, olhando pro nada tentando ficar ereto, só que o som perturbador da cobrança fica e ficou me prendendo no então foco do filme, d juan e sua caça, até então. Num suave esbarrar na pele do outro, parecendo um desejar entrar no outro, todos caminhavam, mas logo naquele andar onde doces lobos se cruzam, ele vira caça. E por ter em sua construção histórica ao longo de no mínimo dois séculos um fio de autoridade, força bruta e sedutora, descompromissado e quase um cético, neste filme ele começa a naufragar, assim como delacroix pinta o naufrágio de D. juan naquela miúda canoa cheia de gente, Mateus e todos os participantes dão Constancia ao naufrágio de mais um homem comum, que vai definhando nas águas que pouco se ver o interior, e por isso pouco se entende onde está. Onde a insegurança se aloja e aquele passa a ser desejado e perseguido por uma espécie de cobra.

Quando o diretor só de uma perna- isso depois pensando que pode ser um “erro” deixei de considerar como um ato emblemático- pede para os dois atores principais executarem a cena onde d. Juan seduz d. Elvira e ela em silêncio o qual passa o filme inteiro, se entrega , e tudo parece ganhar o que eles implicitamente quereriam, o prazer do amor que sede, e a câmera dança, como falou Marat em sua parábola, dança e para na realidade do ensaio da dança, onde o diretor, o cara que segura o microfone, e os outros, aparecem, coisas reais?

Um dos pontos mais interessantes nessa narrativa quase muda, é quando o todo não se entrega ao fantástico, e que difícil isso, se fosse assim possibilitaria outras intertextualizações, mas não, prefere-se a narrativa do”real fantástico”, um ensaio de teatro, onde todos estão encenando a si próprios, procurando por si, e tudo pode ser mastigado como o cigarro que vai roendo o tempo na boca do d juan em Belém do Pará, com o rosto suado, nervoso talvez, ele já abandonou a aliança ? Quase livre, não estando na caverna, mas prisioneiro do vento engolido que ele levanta em seu pensamento, O medo.

Aí, eles me colocam a musica que acende a cena da sedução, onde ela ali, a ninfa, se metamorfoseia em uma fugaz e encantadora cobra, subindo e palpando a árvore, onde obriga d juan, se enclausurar e perder talvez um jogo onde ele combatia a si, joga sobre seu rosto a máscara do ser anônimo, põe por vontade própria, e é visto do alto, a câmera que o congela sua imagem mais parece os olhos dela , quem é ela? e some [ , baixam-se as cortinas]

O fazer, as experimentações, as procuras, as contaminações e os etc como tais nesse mundo onde a arte é colocada em múltiplos caminhos, inclusive o mais evidente: o de servir ao mercado, é difícil para cabecinhas presas no título de ainda colonizadas, aceitar que estamos no submundo das produções, ainda que essas cabecinhas tenham bem esclarecido tudo isso, a procura de uns modelos de um fazer teatro, de um fazer cinema, fazer arte, parece vedar os olhos para o FAZER de tudo isso e outros mais de e em Belém, no Pará, e outros campos. Não quero com isso dizer que as precariedades desse nosso mundo virem arte, não, mas audácias poéticas como tais, produzidas na precariedade, com força coletiva, no mínimo sentidos devem mergulhar nesse oceano

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