segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Sobre ensaios sobre a luz nas trevas


Da epistemologia:
Não me interessa a causa operária do peão, a poderosa ferramenta do cavalo, a bondade divina do bispo ou a amplitude de artilharia de massa da torre, nem mesmo a desenvoltura graciosa da rainha me interessa; e, sobretudo, não me interessa o xeque-mate! Me resguardo à humildigna posição de pôr em xeque. Só assim alcançarei o meu objetivo: deixar em alerta o outro, através da engenharia da estratégia (ou do blefe?).

Sobre ensaios sobre a luz nas trevas

“Não é na atmosfera que se realiza o grande fenômeno da luz, é nos olhos organizados para vê-la.” (Eliphas Levy)
“E agora, Lanu, tu és o autor e o espectador,o irradiador e a irradiação, a luz no som e o som na luz.” (Verso do Livro dos Preceitos de Ouro)
“fragmentos de verdades em um teatro de ilusões” (Satyr)
"A criatividade é uma percepção diante do vazio"(Burroughs)

Criação é luz, o espectador um prisma; a obra gira como uma manivela; projeta-se em julgamento, sob o filtro do gosto, um tom de cor. Existem milhares de tons; mais frios, mais quentes, mais duros, mais suaves... e tudo é superstição: a crença de verdade sob um ponto de vista (ou a super-extimação de si – o que chamamos “verdadeiro”). Construímos conhecimento – graças há deus – porque produzimos uma substância, maternal por excelência, denominada fé – a enzima da esperança.
Se a Inteligência tem como mãe a Fé, o Saber é o pai. Se o Saber não a fecunda, a Fé se perde em devaneios estéreis de uma mal-amada em estado de decadência psicótica e esquizofrênica. Vira fanatismo. O Saber sem a Fé para acreditá-lo morre cínico de si mesmo, caótico revoltado, como haveria de ser um solitário e patético mar sem o céu para dividir com alguém a companhia da existência.
A ALÇADA DAS INTERPRETAÇÕES: nos afoga porque não pode nos salvar. Nas melhores águas não nos contentamos em apenas pescar, mergulhamos sobretudo, de fato. Procuramos olhar mesmo os peixes no fundo dos olhos, face a face, sob o visor de nossos escafandros... pelo inútil prazer de confrontar um segredo belo e imperscrutável. 
No sonho de assistir a retina em instinto & pensamento não existe o duelo verdade e mentira, há apenas o movimento cintilante da córnea, e o milagre da construção da Imagem no mistério da mente.
Mas o que é construir uma Imagem???? Eu,construí uma imagem / você, vai percebê-la. Ser é perceber, ser é ser percebido. Quem constrói imagens é um Criador, quem as enxerga é Espectador. Criador e Espectador não são Profissões!!! São Estados – que podemos habitar.
Mas o que é CONSTRUIR UMA IMAGEM??? É ENCONTRÁ-LA!
Não inventamos nada, transmutamos. Damos cria ao um, para figurar no infinito. Re-produzimos. Assim parimos para a Cultura, e juntos todos somos a Humanidade – (o espelho quebrado da Natureza.
MAS O QUE É ENCONTRAR UMA IMAGEM???
Onde vivo sabem tudo isso sem precisar entender. Plácido encontra uma imagem à beira de um igarapé, ela recebe o nome de Nossa Senhora de Nazaré. Com essa imagem, rituais, rituais, rituais, sentidos, sentidos, sentidos, fé, fé, fé, saber, saber, saber, reciprocidade, reciprocidade, reciprocidade,... é assim a Imagem, terminada sua construção: vivo engendramento. Em Chaves, no Marajó, foi encontrada uma imagem em uma raiz no mangue, uma “raiz-imagem”, que recebeu o nome de Nossa Senhora da Mexiana. Recebeu adornos,adornos, adornos, signos, signos, signos, cantos, cantos, cantos, altares... é assim a Imagem, para ela Ser precisa ser recebida. Uma imagem pode ser visual, sonora, tátil, olfativa, gustativa, mental; pode ser feita de madeira, plástico, tecido, corpo, luz.
Imagem encontrada por Plácido às margens do igarapé Murucutu em 1700. Hoje é encontrada numa redoma de cristal antiprojétil no Glória da Basílica de Nazaré
O processo cinematográfico, normalmente, encerra 4 grandes ciclos de mortes e reencarnações. No primeiro nasce a idéia, que morre no papel, ou num escaninho da memória; no segundo, captura-se da realidade as idéias do escaninho que agora são gravadas, e morrem na película ou no cartão magnético; no terceiro, recolhem-se esses fragmentos, dá-se uma última forma sequencial e o filme morre, mais uma vez, numa lata de negativo ou como arquivo guardado em um computador ou dvd, para, então, estar apto a renascer todas as vezes que alguém o colocar para rodar. Aqui é onde se faz a última viagem, a volta à mente, o retorno ao lar. Quase como uma profecia: da mente saístes e à mente retornarás. Eis a metempsicose cinética, metamórfica por excelência, milagrosa por essência, quixotesca em sua errância, luminosa em sua obscuridade.   
Parece que falo de religião quando falo de arte?
Uma arquitetura de culto, a postura de reciprocidade, a imagem em altar, a vertigem-devaneio-barravento. De que falo: uma festa, uma missa ou uma projeção?
Falo de uma celebração: à epifania dos sentidos, ao milagre da transubstanciação, à crença da criação como realidade, à luz, ao olhar. Há diversas liturgias para este fenômeno de mergulho enteógeno ontológico, rituais que se utilizam de batuques, de danças, de substâncias, de palavras... um dos mais famosos é o diáfano Cinema.   

Mateos

p.s: Uma voz (no fim do túnel do texto) diz, vejo: Audiovisual: a menos que ouças não poderás ver, a menos que vejas não poderás ouvir. Ouvir e ver: eis o primeiro estágio. E a verdadeira Senda.
 Imagem encontrada no filme Permanência (1976) de Vicente Franz Cecim - escritor, cineasta e alquimista de Andara


*publicado originalmente na "Recibo Jambu nº15" - http://issuu.com/recibo/docs/recibo_jambu_online