segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Vendo Sirk, resenhando Veillon


"De sua longa experiência com Tchekhov, Sirk manteve um sentido dramatúrgico interno às situações que ele apresenta. Seu ponto de vista jamais se situa no recuo de um julgamento, mas no próprio centro dos valores dos seus personagens, tentando apreender melhor sua lógica, ir atrás das últimas consequências desta."

"A clausura do teatro íntimo [a la Tchekhov] construído por Sirk nos cenários de Hollywood passa pelas regras não escritas do melodrama. Como em Shakespeare, a família é, nele, o palco privilegiado das paixões e ódios. Nesse microcosmo onde se decide a transformação da sociedade inteira, os laços de parentesco definem a forma dos destinos e descrevem situações possíveis, seus limites e o ponto de transgressão que cada crise ameaça atingir."

"Na linha de D.W.Griffith e Erich Von Stroheim, Sirk dá ao melodrama sua versão mais elevada. Ele reencontra sua etimologia musical, através de um ritmo em que cada cena parece acumular uma tensão que, pairando até a conclusão, exarceba a espera, o temor e a compaixão."

"A arte de Douglas Sirk aparece em toda a sua sutileza: não mudar nada das mitologias americanas, retomá-las como são, mas precipitá-las, como se diz em química, em tal movimento que elas acabam por revelar seu verdadeiro conteúdo."

"O paradoxo é que, hoje, esses filmes, que, sob certos aspectos, são os mais convencionais e os que mais respeitam a imagem homogênea da América que os grandes estúdios quiseram oferecer a seus espectadores, são também os testemunhos mais incisivos da sociedade americana dos anos cinquenta. E, como toda obra profundamente inscrita num contexto particular, são universais."

(Olivier-René Veillon)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

2010-2011

2010. Filmes que chegaram em Belém.

Cada vez mais o meu distanciamento dos cinemas como lugar físico. Felizmente ou infelizmente. A internet e a tv sim a grande caverna cinematográfica onde me abriguei em 2010.

Cometi heresias indulgentes como não assistir à Tropa de Elite 2, Abraços partidos ou conhecer o tal do Ari Kaurismaki. Preferi adentrar o Candeias, garimpar os filmes com legenda em inglês do Jesus Franco e conhecer o tal do Hou Hsiao-Hsien. Sou pagão, graças a Deus.

Dentro da APJCC os chatos que ainda batem perna em botar animação junto com cinema somos eu e o Felipe Cruz - julgamos e defendemos serem artes tão opostas quanto a literatura e as hqs. Se for botar tudo no mesmo saco realmente não tem nada mais importante audiovisualmente esse ano que a conclusão antológica da trilogia Toy Story. Vida longa à Pixar!...

Essa história de rankiar na verdade sempre me enervou, e acho cada dia menos justo. Tu vai pedir pro sultão escolher a mais amada das amantes? Cada uma tem sua feiurinha maravilhosa...

Tem questões de "ors concours" por exemplo, como a obra-prima - mais uma! - do Tarantino: a futuramente canonizada Death Proof, que fodem tudo!

Penso listas de forma política. Se fosse pra escolher o "filme do ano" por exemplo, escolheria "A religiosa portuguesa". Não por ser o "melhor", nem por não ser. Mas porque Éugene Green é um dos cineastas mais corajosos, criativos e rigorosos dessa década... e atinge o seu ápice nesta obra-prima sublime.

O Woody Allen só entra em lista de amizade com o seu "Tudo pode dar certo", o seu filme foi um bom bate-papo com um velho amigo; "A origem" só entra em lista de indulgência, o seu filme divertiu tão bacana e veloz quanto uma montanha russa.

"Rede social" é excelente. A maionese bem comandada - a indústria e os técnicos em grande inspiração de comunhão. Lapsos de genialidade no ritmo-forma de um Fincher que se faz presente em momentos chaves de uma personagem revelado através dos intervalos em campo/contracampo.

O "Solista" é bom. Mas é só lembrar dos dois últimos do Wright e ver que ali ele foi engolido ao invés de engolir.

A "Ilha do Medo" e "Invictus" são filmes que merecem entrar em qualquer lista, mas não vão entrar na minha. "Vício frenético" entra! (apesar d'eu ser mais apaixonado pelo do Ferrara).

"Paris" e "Segredo de seus olhos" que respeitem seus conterrâneos contemporâneos: um plano qualquer de duas poderosos cineastas como Claire Denis e Lucrécia Martel desfacelam toda a filmografia de Cédric Klapish e Juan José Campanella. Aquilo sim é que é ser macho!

Aqui chegou o interessante "Os famosos e os duendes da morte", mas nada comparado (nem de longe) à extasiante tarde que passei na frente da tela do meu computador assistindo ao processo de cinemancia que Bressane prolonga em "A erva do rato" com a imagem-corpo-mulher-esfinge-Negrini. A cada filme fica óbvio que o Julinho é um dos grandes mestres do cinema contemporâneo.



2011 começa. Enquanto passa sei lá o que nos moviepólis de Belém eu to vendo a filmografia do Angelopoulos, uns Fukasaku's legendados em inglês, baixando uns King Hu's, os curtas do Lynch, Whip and the body do Bava (que finalmente achei com legenda - vamos exibir!), Manoel de Oliveira, o Carlos (a série do Assayas), tudo que eu posso do Straub, tudo que eu posso do D'Amato, o que falta do Visconti, do Melville, do Chabrol, etc...

A rua tá muito perigosa de brincar de cinema ultimamente, to finalmente entrando nessa vida de nerd. Belém só tá maravilhosa pra brincar de outras coisas mesmo, principalmente filmar.

Feliz ano novo Belém. i love you!

Mateos.