domingo, 22 de abril de 2012

pequeno ensaio Pro Ensaio Geral



Qual melhor metáfora para exprimir o non-sense da Vida senão uma eterna preparação para o grande espetáculo: a Morte?
Qual melhor metáfora para expressar a essência do Teatro senão a de um espetáculo que inicia antes do ensaio geral (que já é um ensaio geral, e que sempre será um ensaio geral, porque teatro não se finaliza jamais, ele só começa e termina no é)?
Pro ensaio geral ensaiamos sempre, é a metáfora perfeita da luta do improviso contra o destino, da busca da imortalidade na arte contra o tempo que carrega nossos corpos.
Não existe coisa mais séria do que um conto de fadas. Este, grotesco maravilhoso, sublime encantador, revelador alegórico, não propriamente ‘fala’ sobre o ‘Rito de Passagem’, antes 'mostra' – ouve-se nos intervalos silenciosos. Ação e Contemplação. Estamos, enquanto público e espécie humana, durante quase 1 hora, envolvidos pelo manto da Morte – nosso maior véu. Fera e atmosfera.
O ritual proposto é uma última dança: de olhares, de gestos, de lembranças, de humores, de maus resolvidos assuntos, de inerentes afetos, de conflito/harmonia/movimento entre a Mãe e o Monstro, ou entre a Prole e o Dragão. É um show da dupla Mauricio-Sandra (que também assinam a dramaturgia).
Pro ‘teatro de fanzine’! – termo que ouvi da própria Sandra Perlin. A exuberância reciclada e a força expressiva do figurino e da cenografia de Mauricio Franco e da iluminação de Malu Rabelo é um bálsamo para o olhar, uma lição para os ouvidos. A direção é de Vandiléia Foro: corpo, ritmo, mise-en-scène, num cubículo intimista, numa ladeira frenética, rumo ao fim.
Durval, esse misterioso personagem que ilumina as emoções, desliga as luzes, e já podemos aplaudir de pé.
A peça acaba num sábado qualquer e vamos sentar na frente de nossas casas, papear sobre arte e vida, e morte. Inspirados por esse balde de suor e lágrimas traduzido em comédia humana, respiramos gratos por tanta verdade e encantamento. Se esses não são momentos históricos não sei o que pode ser.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Texto para Filme Demência, na estréia do MATADOURO

Um cinema para ser inspirado
“A utopia, seja ela o que tantos viram ou não no experimental brasileiro, simplesmente transfigurada em atopia, deslocamento da retina, de uma ótica cultural que imperou antes dele. Coube a Carlão deslocar (atopisar) o experimental de seu terreno minado para a área de todos: não mais cinema de minoria, mas de memória da minoria como brinde à maioria. Maioridade de um tipo de cinema brasileiro? Superação dos borrões, inauguração de uma nova écriture que a massa come e que inquieta os cinéfilos? Quem está vivendo está vendo: a solução do enigma sempre esteve no enigma – vi-vendo.” (Jairo Ferreira – Cinema da Invenção)
Carlos Reichenbach é um homem culto. No sentido mais culto do culto referido à figura humana - aquele que cultiva. Homem nascido após Oswald de Andrade, o cineasta gaúcho é o antropófago moderno por excelência - deglutiu o todo, sem preconceitos geográficos, morais ou estéticos. Carlão é um verdadeiro glutão. Quimera de mil olhos, reteve (quase) tudo: de Godard à Nouvelle Vague Japonesa, de Cinema Novo à Chanchada, de séries televisivas à óperas, de Platão à Jorge de Lima, de Proudhon ao Naziexploitaion... construiu o único olhar que pode valer algo: o seu. E é na emoção de acompanhar as escolhas que gozamos do sentimento próprio da liberdade em ação ao assistir um filme do Carlão. É um dos cineastas mais inspiradores dos que sonham fazer cinema porque sentimos na eleição de cada ideia audiovisual o “homem instituinte” – aquele que produz o efeito por uma “causa interior”, pelo puro “prazer interno”, jamais para agradar ao instituído (aristocrático ou comercial). Não obstante, não nega nenhuma instituição, antes joga com elas; o cinema, para ele mais que para Glauber, são todos os caminhos (de produção, de estética – os princípios éticos, inescapavelmente pessoais, resguardados). Vivenciou na pele todas as dificuldades de fazer cinema no nosso país, e sempre deu um jeitinho brasileiro; afirmar esteticamente sua condição e enfrentar em signo de invenção os problemas como questões foi o maior deles. Não confundindo a questão ética com a patética, vanguardeou, contrabandeou, sobreviveu, expressou-se (sob quaisquer contextos). Hoje, junto com Julio Bressane, Andrea Tonacci e Eduardo Coutinho forma a nata do cinema de invenção brasileiro.
Seu cinema não aspira tão-somente à arte de justapor imagens, movimentar encenações sob a lente, fazer grandes travellings, enquadrar grandes cenas, aspira também à História (através da colocação do Mito em ficções sombreadas por acontecimentos políticos), às Artes Visuais (com suas paisagens e cenários, reveladores externos dos dramas de seus personagens, sem esquecer das luzes e cores, sempre pontuações pictóricas impressionistas que nos abraçam nos sentimentos “atmosfeéricos”), à Música (nunca gratuita, sempre utilizada apenas como imprescindível, e muitas vezes engendrando a própria forma essencial de alguns de seus filmes), à Poesia (transitando livremente do diálogo típico para os típicos vôos líricos de seus personagens, buscando sempre a “palavra falada justa”, sem concessões à preocupações medíocres de “verossimilhança naturalista”) e à Filosofia (referenciando, parafraseando, sublinhando, sobrepondo metafísicas, morais, estéticas de grandes mestres e cafajestes). Carlão, pintando todo o seu grande mural com cores advindas de tintas tipicamente brasileiras, colhidas da vida que observou/vivenciou de perto/profundo, aspirou o cinema como panacéia da síntese, e a síntese como o álibi para a busca da pureza. Chegar na alma através dos “personagens familiares”, na política através dos “argumentos situantes”, na cultura através das “referências decantadas”, na arte através da “câmera~montagem & síntese-outras artes”.
Filme demência, anagrama para “filme de cinema”, é, segundo o próprio Reichenbach, o seu empreendimento mais autobiográfico. Exorciza nessa obra, sem disfarce, pormenores de angústias pessoais, com seu pai e o seu país. Não obstante, o mais interessante, é que realmente, Filme Demência cristaliza a ideia de obra biográfica por excelência do homem Carlos Reichenbach justamente por ser este um “filme de cinema”. Acima de filho e cidadão, vejo que o Carlão é mesmo um “bicho do cinema”, filho dele, cidadão dele. Sua mente, sua demência, todo o seu ser é organicamente ligado, umbilicalmente, a esta força; faz parte de sua essência enquanto homem: o cinema foi inventado pelo homem, Carlos Reichenbach é um homem, logo Carlos Reichenbach foi inventar cinema. Sua auto-biografia, seu testamento, sua imagem, não poderia ser outra que não um “filme de cinema”, um Filme Demência.
Há diversos filmes por aí, poucos de cinema. Há diversos filmes com grandes atuações, fotografias belíssimas, produções milionárias, temas filosóficos contemporâneos pertinentes, poucos de cinema. Assim como existem vários “filmeclubes” por aí: clubes onde pessoas se reúnem para discutir filmes. “Cineclubes” existem muito poucos. 
Mas onde mora o cinema então, materializado, se não no Filme? Realmente, lá ele pode morar, e é onde mais o encontramos (apesar de existir alhures); assim é com a Literatura no Livro ou a Pintura no Quadro. Mas o Cinema de fato não é tão material assim, ele parte de um impulso, o impulso do homem com a linguagem; e a linguagem do cinema, muitas vezes se esquece, é a da imagem/som; é do impulso audiovisual que a essência dá a luz a potência de matéria, o futuro-filme; quanto à forma, há no cinema uma sintaxe, uma gramática e um vazio chamado possibilidade. Carlos Reichenbach almeja em seus atos-filmes ser o maestro, que conjuga todos os elementos visíveis e invisíveis, com o interesse não tanto de mostrar cada instrumento de sua orquestra (fotografia, cenários, músicas, atores, ideias, imagens), mas, com esse arsenal venusiano, adentrar a música silenciosa, a estrela interna, que entre os planos, entre as harmonias som/imagem, entre a ocupação do espaço de um quadro-movimento e entre as pulsões de um mundo capturado para a ficção de um olhar, brilha como esse algo tão misterioso de nome Cinema, que faz o homem errar na esperança de encontrar no fim uma resposta (a estrada).
Filme Demência encontra a proposta de uma viagem, o próprio reflexo que é livre: a imagem da filha (a inocência que foi perdida em si, renascida no que fecundou). E eis o que é criar, e eis o sonho que é ver o sonho de ver como somos vistos por nós quando adentramos o sonho que é se admirar criando o sonho que é o cinema. Labirinto de várias formas oferecendo viagens, Mefisto Fausto Criança Inferno Espelho Estrada Tempo Destino Vontade somos nós
Filme Demência, o filme mais complicado de ser produzido por Reichenbach, o de maior desespero existencial, o de menor público, é de fato um objeto não-identificado. Inspirado pelo surrealismo mais lúcido, pela pesquisa mais embriagada, pela auto-psicanálise mais hermética, pela vulgaridade mais desnudadora, pela ciência mais oculta, pela viagem mais sem volta.
“Esse filme foi concluído graças à sua necessidade intrínseca de existir”, disse o Carlão. E cada sessão de Filme Demência segue à necessidade intrínseca dele exibir-se. Para utopia caminhamos, na alçada do cosmo, nosso motor é a necessidade. 
MATADOURO propõe o renascimento, contínuo, errante, amante, in-consequente. São estes gases, subterrâneos, mefistofélicos, que desejamos inspirar; depois do véu, até o âmago, pro fundo. Escalemos o mergulho.
Mateos.

sábado, 7 de abril de 2012

Rascunhos de uma pedagogia a partir do cinema (I)

Exercício 1: ver A grande testemunha de Robert Bresson. Virgem, acompanhar todo o seu fluir. Depois ler bastante acerca, tanto descrições do seu enredo, quanto críticas mais profundas. Quando tiver certeza que o filme já foi todo lido pelo seu intelecto, voltar ao filme, revê-lo (aqui você já sabe tudo o que vai acontecer, não haverá mais preocupações em tentar adivinhar o que sucederá), você já pode ver o filme de novo, não precisará tentar enxergá-lo. Aqui não precisa mais ler, pode contemplar. Trocar a pré-ocupação pela ocupação. Agora, o próximo passo é ouvi-lo. Deixar o filme rodar, escutá-lo apenas, de olhos fechados - adentrar seu mundo sonoro. Depois o mesmo apenas às imagens. E por último, revê-lo, som-imagem (quantas vezes quiser – sempre será diferente, e mais profundo).

Exercício 2: aplicar a mesma metodologia à Intriga Internacional de Alfred Hitchcock.


Mateos.

Assim é: como o título

Só mudando o sentido das palavras poderemos entender o real sentido da existência delas. O mesmo a qualquer linguagem que engendramos no contato com as coisas.

Nós (nós) nem precisamos realmente mudar o sentido (com o nosso Poder), apenas Quedar diante das coisas, esperar observar o movimento: as diversas formas que elas tomarão.
Que inenarrável beleza é demorar ante uma imagem: examinar o Tempo.

Sozinhos ademais plenos na noite estrelada teremos sempiternamente ela: a linguagem, como companhia e companheira.

talvez seja um vício talvez virtude

Sei apenas, que nessa relação Um existe dentro do Outro;

há, naturalmente, uma inter-dependência. é o Cosmo (palavra & sentido)

Eu a escuto
Ela me escuta
e quando,
Uníssonos,
cantamos no silêncio,
somos virgem, gêmeos.

Ela diz quando me escuta:
-Não digo nada de novo. Com a experiência percebi que coisas valiosas da humanidade não eram generosamente ouvidas por causa das pedras do pré-conceito e da distração. Com o que aprendi quis convencer, humildignamente, através da beleza cintilantemente ilusória do barril de embriaguez lúcida chamada linguagem, o que todo mundo sabe dentro e o esquecimento velou.

E eu, quando a escuto, discuto:
-Ter um posicionamento crítico verdadeiro não é defender um ponto de vista, mas convidar, humildignamente, o outro a habitar as veredas da materna pensamenta.

Depois transamos, às vezes gozamos ao mesmo tempo às vezes não, mas sempre nos satisfazemos. E depois dormimos. Eu sonho com ela, ela move meu sonho, e nos esquecemos no son(h)o de um agora outro (outrora).

E aí o dia amanhece, e tenho que sair da caverna do ninho nosso amor, porque preciso caçar, ganhar, pagar. Ela fica triste,

Assim é: fa minto

como uma melodia

Mateos