quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Prefiro a anti-homenagem: a constatação subjetiva do fato jornalístico


Admito que sempre tentei fugir dos apadrinhamentos, mesmo meu pai, meu professor de escola... sempre fui um defensor ferrenho do auto-didatismo e do caminho individual. Contudo, com o tempo, sinto que é impossível fugir de certas figuras que marcam seu caminho. Sem o amor do meu pai pela nova Hollywood (antes mesmo dele saber que Kubrick, Coppola, Scorsese, De Palma faziam parte de um “movimento” intitulado assim) provavelmente eu não me apaixonaria pelo cinema. [Ou talvez sim, quem sabe?] O fato é que, talvez, se eu não conhecesse Fábia Cruz, e por isso Adolfo Gomes e Aerton Martins, eu não ouviria da boca do primeiro, ao se despedir de Belém para morar em Salvador, que o cineclubismo na cidade agora era com a gente, depois de me emprestar tudo do Bresson e do Glauber e discursar quase chorando sobre o último filme do Clint. Não me emprestaria o Aerton a sua coleção de filmes do Fuller, seus clássicos do horror... o fato é que se eu não conhecesse eles talvez eu não enxergasse nunca que a fraternidade e o compartilhamento daquilo que se ama é o caminho mais bonito e construtivo em termos de cultura e conhecimento. Através da Fábia também conheci o Max Andreone, que abriu várias portas para mim, de vários cinemas, quadrinhos... se eu for falar de Felipe Cruz, Cauby Monteiro e Miguel Haoni então, aí vai ser falar do meu aprendizado diário... nem quero tentar, não é a hora, nem o lugar.
Quero falar de outra figura hoje, uma que mal conheço pessoalmente, mas que prefiro não conhecer tão bem mesmo, porque quero falar dela como a respeito: como crítico de cinema. É verdade que já discordei de muita coisa que ele já falou (apesar de ter concordado muito mais), já recebi criticas suas, e já o critiquei, mas existe respeito maior? O fato é que a partir do próximo domingo – verdade seja dita – no jornalismo impresso belenense não haverá mais alguém que fale de cinema. Para falar dos filmes que passam sempre vai ter com certeza, já tem... mas para falar de cinema mesmo, Ronaldo Passarinho era o último, o único.
Se a minha geração – e a anterior a minha - acompanhou algum pensamento cinematográfico de um conterrâneo que tenha nível para competir com os melhores críticos do Brasil, este foi o pensamento de Ronaldo. Odiado por muitos pela sua irreverência, amado por muitos pela sua sinceridade, sempre em busca de uma linguagem inteligente e acessível, ele sempre escreveu movido pela paixão, munido pelo estudo incansável. Verdade seja dita: sem Ronaldo eu não conheceria Mario Bava, Lucio Fulci, Dario Argento, James Gray, Chan-wook Park, Joon-ho Bong, Wes Anderson, Paul Thomas Anderson, e muitos outros cineastas que hoje são referências para mim.
Alguns amigos meus julgam Passarinho como um verdadeiro “Godfather” mesmo, e,“va benne”, eu não chego a esse ponto. Mas, pesquisando toda a fortuna crítica que foi escrita no Pará, sem pensar duas vezes, troco tudo que veio antes (e isso deve dar mais de 50 anos) por qualquer texto em que o Ronaldo defenda violentamente o cinema de gênero, ou qualquer artigo em que ele agradeça emocionado a um cineasta por fazer cinema ao invés de discussão política.
Como o próprio Ronaldo prega: sem nostalgias, sem chororô... escrevo este texto para entender minha relação com esse crítico, e o que significa este fato jornalístico. Ronaldo Passarinho influenciou e influenciará por muito tempo o pensamento crítico de quem acompanhou o seu percurso, seja para se aproximar ou para se afastar... mesmo depois de morto, continuará vivo, atormentando com seus grunhidos a nossa relação com o cinema... como um zumbi, como o zumbi de Lucio Fulci que ele nos apresentou.


Mateus Moura.

5 comentários:

  1. Fiquei lindo na foto. Obrigadão, Mateus. Fiquei comovido. Abraço grande.

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  2. E eu fiquei encantada com as suas palavras sobre o Ronaldo, Mateus. Também agradeço por elas. E as faço minhas (posso?). Até porque eu não conseguiria fazer anti-homenagem a um crítico de cinema que conheço tão bem, pelos textos que escreve e pelo seu olhar que sempre inscreve, em mim, um imenso carinho.
    Lilia

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  3. Só para esclarecer, quando disse que fiquei lindo na foto me referia à foto do zumbi...

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  4. Mateus, como tu bem disseste em artigo anterior, os jornais paraenses estão cheios de "produtores de resenhas estéreis"; portanto, tanto para os que amavam quanto para os que odiavam, o silêncio das palavras de Ronaldo deixaram o domingo com um sabor esquisito.

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  5. obrigado Lilia.
    Ronaldo, os zumbis do Fulci são a única consolação pra morte que eu conheço, se eu ficar bonito assim eu to salvo!
    Rafael, o jornal impresso segue o caminho do entretenimento e da superficialidade, duas coisas maravilhosas! Quem quiser outras vai ter que procurar em outro lugar... o bom da internet é que tem de tudo, mais legal e mais barato.

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