Da epistemologia:
Não me interessa a causa operária do peão, a
poderosa ferramenta do cavalo, a bondade divina do bispo ou a amplitude de
artilharia de massa da torre, nem mesmo a desenvoltura graciosa da rainha me
interessa; e, sobretudo, não me interessa o xeque-mate! Me resguardo à humildigna
posição de pôr em xeque. Só assim alcançarei o meu objetivo: deixar em alerta o
outro, através da engenharia da estratégia (ou do blefe?).
Sobre ensaios sobre a
luz nas trevas
“Não
é na atmosfera que se realiza o grande fenômeno da luz, é nos olhos organizados
para vê-la.” (Eliphas Levy)
“E
agora, Lanu, tu és o autor e o espectador,o irradiador e a irradiação, a luz no
som e o som na luz.” (Verso do Livro dos Preceitos de Ouro)
“fragmentos
de verdades em um teatro de ilusões” (Satyr)
"A
criatividade é uma percepção diante do vazio"(Burroughs)
Criação é luz, o espectador um prisma; a
obra gira como uma manivela; projeta-se em julgamento, sob o filtro do gosto,
um tom de cor. Existem milhares de tons; mais frios, mais quentes, mais duros,
mais suaves... e tudo é superstição: a crença de verdade sob um ponto de vista
(ou a super-extimação de si – o que chamamos “verdadeiro”). Construímos
conhecimento – graças há deus – porque produzimos uma substância, maternal por
excelência, denominada fé – a enzima da esperança.
Se a Inteligência tem como mãe a Fé, o
Saber é o pai. Se o Saber não a fecunda, a Fé se perde em devaneios estéreis de
uma mal-amada em estado de decadência psicótica e esquizofrênica. Vira
fanatismo. O Saber sem a Fé para acreditá-lo morre cínico de si mesmo, caótico
revoltado, como haveria de ser um solitário e patético mar sem o céu para
dividir com alguém a companhia da existência.
A ALÇADA DAS INTERPRETAÇÕES: nos afoga
porque não pode nos salvar. Nas melhores águas
não nos contentamos em apenas pescar, mergulhamos sobretudo, de fato. Procuramos
olhar mesmo os peixes no fundo dos olhos, face a face, sob o visor de nossos
escafandros... pelo inútil prazer de confrontar um segredo belo e
imperscrutável.
No sonho de assistir a retina em instinto
& pensamento não existe o duelo verdade e mentira, há apenas o movimento
cintilante da córnea, e o milagre da construção da Imagem no mistério da mente.
Mas o que é construir uma Imagem???? Eu,construí
uma imagem / você, vai percebê-la. Ser é perceber, ser é ser percebido. Quem
constrói imagens é um Criador, quem as enxerga é Espectador. Criador e Espectador
não são Profissões!!! São Estados – que podemos habitar.
Mas o que é CONSTRUIR UMA IMAGEM??? É
ENCONTRÁ-LA!
Não inventamos nada, transmutamos.
Damos cria ao um, para figurar no infinito. Re-produzimos. Assim parimos para a
Cultura, e juntos todos somos a Humanidade – (o espelho quebrado da Natureza.
MAS O QUE É ENCONTRAR UMA IMAGEM???
Onde vivo sabem tudo isso sem precisar
entender. Plácido encontra uma imagem
à beira de um igarapé, ela recebe o nome de Nossa Senhora de Nazaré. Com
essa imagem, rituais, rituais, rituais, sentidos, sentidos, sentidos, fé, fé,
fé, saber, saber, saber, reciprocidade, reciprocidade, reciprocidade,... é
assim a Imagem, terminada sua construção: vivo engendramento. Em Chaves, no
Marajó, foi encontrada uma imagem em uma raiz no mangue, uma “raiz-imagem”, que
recebeu o nome de Nossa Senhora da Mexiana. Recebeu
adornos,adornos, adornos, signos, signos, signos, cantos, cantos, cantos,
altares... é assim a Imagem, para ela Ser precisa ser recebida. Uma
imagem pode ser visual, sonora, tátil, olfativa, gustativa, mental; pode ser
feita de madeira, plástico, tecido, corpo, luz.
Imagem encontrada por Plácido às margens do igarapé Murucutu em 1700. Hoje é encontrada numa redoma de cristal antiprojétil no Glória da Basílica de Nazaré
O processo cinematográfico,
normalmente, encerra 4 grandes ciclos de mortes e reencarnações. No primeiro
nasce a idéia, que morre no papel, ou num escaninho da memória; no segundo,
captura-se da realidade as idéias do escaninho que agora são gravadas, e morrem
na película ou no cartão magnético; no terceiro, recolhem-se esses fragmentos,
dá-se uma última forma sequencial e o filme morre, mais uma vez, numa lata de
negativo ou como arquivo guardado em um computador ou dvd, para, então, estar
apto a renascer todas as vezes que alguém o colocar para rodar. Aqui é onde se
faz a última viagem, a volta à mente, o retorno ao lar. Quase como uma
profecia: da mente saístes e à mente retornarás. Eis a metempsicose cinética,
metamórfica por excelência,
milagrosa por essência, quixotesca em sua errância, luminosa em sua
obscuridade.
Parece que falo de religião quando falo
de arte?
Uma arquitetura de culto, a postura de
reciprocidade, a imagem em altar, a vertigem-devaneio-barravento. De que falo: uma
festa, uma missa ou uma projeção?
Falo de uma celebração: à epifania dos
sentidos, ao milagre da transubstanciação, à crença da criação como realidade,
à luz, ao olhar. Há diversas liturgias para este fenômeno de mergulho enteógeno
ontológico, rituais que se utilizam de batuques, de danças, de substâncias, de
palavras... um dos mais famosos é o diáfano Cinema.
Mateos
p.s: Uma voz (no fim do túnel do texto)
diz, vejo: Audiovisual: a menos que ouças não poderás ver, a menos que vejas
não poderás ouvir. Ouvir e ver: eis o primeiro estágio. E a verdadeira Senda.
Imagem encontrada no filme Permanência (1976) de Vicente Franz Cecim - escritor, cineasta e alquimista de Andara
*publicado originalmente na "Recibo Jambu nº15" - http://issuu.com/recibo/docs/recibo_jambu_online
oi
ResponderExcluirA liturgia do olho celebra os demais sentidos, refinando o ir-se no ficando. É assim que o sinuoso rito de passagem vai emergindo arte, religião, fé, promessa, eterna traição.
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