Por que “O Atalante” sempre acalentará os que indelevelmente foram envolvidos por esse manto chamado Cinema?
São várias razões, e todas elas caminham pras essências.
Primeiro é que Jean Vigo é um grande observador da vida
invisível, aquela que paira como uma atmosfera. Seu gênio adentra a realidade
dos sonhos, colhe os sentimentos humanos mais profundos, os medos mais puros,
as sensações mais patéticas, as emoções mais espontâneas. É um visionário do é.
Segundo é que Jean Vigo é um grande observador da vida
visível, aquela que pulsa na pele. Sentimos fisicamente o desejo (o que anima o
ser), em todas as suas faces: erótica, aventureira, curiosa, fatalista, amoral,
bruta. E, além da pele, a realidade social (as sombras da “cidade das luzes”),
com suas filas de desemprego, suas fúteis vitrines, seu teatro de bonecos, sua
sujeira, seu abandono... e seus incríveis sobreviventes.
Todo grande cineasta, necessariamente, é um grande observador. E Jean Vigo é o
que é porque tinha Olho. Enxergava, além, mas acima de tudo aqui, pro fundo;
navegava, aportava, mergulhava. Jean Vigo abria os olhos dentro d’água,
acreditava!
E com toda essa crença na vida ele a transfigurou completamente. Inventou uma forma que era pura invenção, para reencontrar o que se escondia atrás das formas.
Nessa grande aventura, onírica por excelência, o poeta montou sua trupe, de atores iluminados, de um grande operador de câmera, de um delicadíssimo músico, de um barco, e vagueou em busca daquilo que era sublime, daquela beleza que abraçava tudo o que aparentemente nada tinha a ver com o belo, daquela alquimia que só poderia existir uma vez (impressa por uma luz numa película), daquela anarquia que só desejava expressar a verdade de um mundo (e que pra isso abandonou o tolo raccord, a velhaca verossimilhança, o instituído).
E com toda essa crença na vida ele a transfigurou completamente. Inventou uma forma que era pura invenção, para reencontrar o que se escondia atrás das formas.
Nessa grande aventura, onírica por excelência, o poeta montou sua trupe, de atores iluminados, de um grande operador de câmera, de um delicadíssimo músico, de um barco, e vagueou em busca daquilo que era sublime, daquela beleza que abraçava tudo o que aparentemente nada tinha a ver com o belo, daquela alquimia que só poderia existir uma vez (impressa por uma luz numa película), daquela anarquia que só desejava expressar a verdade de um mundo (e que pra isso abandonou o tolo raccord, a velhaca verossimilhança, o instituído).
Em tom de fantasia, transportou, num vôo sincero, o
insustentável peso da realidade. Relembrou-nos que é feérico o mundo em que
vivemos! “O Atalante” é um colírio para re-percebermos o mundo encantado que
flui ao nosso redor: o “homem comum (que comanda seu barco pelo tempo, entre o
cotidiano e o cio)”, o “velho lobo do mar (bufão que tudo experimentou e que
nos guia, meio diabo meio mago)”, a “mulher-criança (sonhadora, aventureira,
cuidadosa, livre, fértil)”, o “caixeiro-viajante (suas andanças e seus truques,
seu ímpeto de aventuras e suas máscaras)”, os encontros/desencontros, os
símbolos inescapáveis, as alegorias ambulantes, os agouros, os milagres.
Se o Cinema – uma máquina que grava fragmentos de um devir,
reagrupa-os num tempo que se cria, funda um mundo – pode existir, por que não
poderia acontecer de um disco ser tocado com o dedo? Afinal existe
eletricidade, rádio... coisas tão absurdas quanto. A vida, ensina Pére Jules, é
recheada de mistérios que muitas vezes nossos olhos não percebem, cegos que estão
pela razão. A vida é mais que a razão!
Próximo do nascimento, na fase da infância, ainda temos, como grande aliada dos olhos, antes da razão, a imaginação.
Se os olhos são o fruto que se doa e se recebe em verbo (olhar), a imaginação é a semente (a centelha) – a possibilidade da criação.
Próximo do nascimento, na fase da infância, ainda temos, como grande aliada dos olhos, antes da razão, a imaginação.
Se os olhos são o fruto que se doa e se recebe em verbo (olhar), a imaginação é a semente (a centelha) – a possibilidade da criação.
Vigo, muito próximo naquele momento da volta ao ser (ou em
outras palavras, da Morte), apontou sua máquina como que se despedindo de tudo
aquilo de visível e invisível que amara nesse plano que o quadro limita (a Vida
vista). E (visionário) já grande observador do que viria, trouxe, através da
imaginação, aquilo de essencial, antes-além do corpo, do olho, das relações, das
condições. E pelo oráculo do cinema imprimiu isto de eterno, que só podemos
enxergar se acreditarmos, se ouvirmos a canção que os dedos tocam e que o
cinema, limitando um quadro, pode criar ao conjugar as substâncias do som e da
imagem.
Essa dança que Vigo traduziu alguns chamam de Mundo. Esse
corpo que dança, fantasmático, e que nos acalenta há mais de um século, se
chama Cinema.
Mateos.
Que lindo ver um filme como esse ganhar o texto que ele merece.
ResponderExcluirFelipe
que bom que continua te dedicando a essas produções nascidas do silencio, da pouca luz, do assovio intuitivo de uma coleção de notas que o orvalho dos teus sentimentos permitem extrair, desse templo as vezes indecifráveis que e teu pensamento, sinalizado pelo teu corpo, gota clara e negra, suor de obreiro, de quem nutri a matéria sem esquecer dos invisíveis, daqueles que temos de pedir licença antes de passar. Se tu perderes o medo de colecionar lagrimas, vais conseguir ouvir o rio que delas pode nascer. Um rio escolhe onde fluir, a nos, só nos cabe nadar em nossos braços sem nos afogar nas vaidades do templo, afluentes. Continua qui. gratidão!
ResponderExcluirSamir