quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Carta para o subjeto côncavo e objeto para a convexa Gi

Nunca sei como as coisas se casam porque não é minha pretensão ser ciente dos mistérios do acaso. Jogo ilações no ar como qualquer tagarela, então: lembro quando perguntaram pro Einstein quanto tempo ele acha que demoraria pra falarem dessa tal “lei da relatividade” se ele não a tivesse exposto e ele respondeu que em uma semana no máximo. O fato que deduzo daí é que o que está no ar todos meio que acabam respirando (quem tem pulmões).

Quando Gi veio falar de “cartografia crítica da Amazônia”, e eu vim entender, de fato, o que isso realmente significava em sua essência, percebi, de cara, que era, na verdade, o princípio artístico dos que produzem comigo ao meu redor e eu mesmo sem eles e eles mesmos antes de me conhecer. Mas que, ademais, juntos tínhamos projetos já materializados em coisas (que eram – também – isso mesmo).

[Aviso que esse relato é pessoal, mesmo que resvalar no quoletivo – o que é natural, & é no ritmo da fala mais que da revisão,]

Eu, desde 2009 vinha me expressando audiovisualmente. Meu primeiro filme (D.Juan) não tinha nada das reconhecidas cores da terra. Isso não foi uma cartilha contra ou etc, e é o que digo sempre disse: foi só um filme, e este queria ser do jeito que foi. O segundo (PRIMEIRO), que também é ficção, é uma aberração nesse sentido também porque é tentativa de um filme medieval em sua imagística, inspirado pelo cinema silencioso mais hermético e homenagem ao cinema paraense que ninguém conhece. Enfim, além dessas ficções me interessava muito experimentar um “cinema da realidade”, um “cinema de rua”. Algo que bebia no Vertov, no Cinema Direto, no Glauber de Câncer e Idade da Terra, no Sem essa, Aranha do Sganzerla, mas principalmente nos limites da minha câmera Sony Mini-dv DCR-HC52.... E no PLANO... não no “plano-sequência” clássico, mas voltar ao ‘plano até a bobina acabar’ (aqui a fita mini-dv)... esquecer a idéia de sequência como capítulo e o corte como ponto-capítulo... esquecer também o roteiro, a cinematografia, a “partitura-storyboard”... voltar à cinegrafia (agora com uma hand cam, e onde ela pode ir)... trabalhar o TEMA... como no primeiro cinema (“A chegada do trem”, “Anabelle Butterfly dance”, etc)... desembocar assim no jazz, no free.... por isso JAMCINE... eu com um instrumento (a câmera), o outro com o seu (o corpo), e o mundo (Belém) pra jogar... o improviso como elo, como base poderosa, engendrando a ficção (‘fictio’ = construir), a partir de todas as subjetividades que podem habitar esse quadro vivo-eterno. Não “capturar a vida de improviso” como Vertov intentava, não mais; agora em outros termos, outros passos: eternizar a vida em estado de improvisação.

É sempre sobre o presente, e sobre eternidade. Sobre o físico e o invisível. Há escolhas de posicionamento de câmera que desvendam significados de olhos e pedras, de gestos e cores, não há nada gratuito mas tudo cheia de graça. Não sobre a realidade, mas nela. Habitar a invenção, e nela passar/pulsar toda uma cidade viva. É um cinema de rua, de ruído, não há uma só pós-produção, senão no corte do início e do fim e na montagem das 7 imagens-movimento, é busca de uma “cine-graphia”, uma “dramaturgia do/no caos”, “descoberta da vida/arte no processo-estado”, “enfrentamento criativo” com os espaços e toda memória de afetos que temos com eles e que construímos no momento e/ou quando revisitamos em outro vídeo o mesmo espaço ou os mesmos corpos-personagens.

Falo muito do jogo do lado de cá – do da câmera – porque, como já disse, é relato pessoal de um processo (que resvala naturalmente em quoletivo). O produto obviamente é quoletivo, qualquer. Criação em ação de fato nessa levada a sério da brincadeira de criança nessas coisas sem futuro. E aqui sem dinheiro, nada custou um puto, e esse cinema só teria dado certo assim. Não é uma ode ao cinema pobre, mas esse precisa da pobreza pra existir. Liberdade é limite e o desse era: não temos dinheiro, não temos tempo, não temos outro equipamento: tiramos uma hora, Belém, nossas roupas e nossos corpos, e esse equipamento em seu limite. (aliás que saudade dessa câmera, ela a única que quebrou meu ceticismo me enxurrando de milagres!)

O que temos é um condomínio audiovisual que pode ser remodelado a qualquer momento, é um organismo vivo. Tem um edifício concreto, que tem 7 vídeos separados apenas por cartelas de apresentação com o título, o número e o sub-título. E que, apesar de uma montagem mínima, esconde segredos que o hermeneuta mais vacinado guardará espantos. Este um dia se sonhou chamar “2011: Uma Odisséia neo-ultra-sur-realista na Amazônia”, mas que no fim ficou JAMCINE (até na marquise do Olympia), onde foi exibido desta forma. É um filme de mais de 5 horas, que na verdade foi dividido quando lá exibido. (Também todos os outros, em separado, já foram exibidos, em lugares não-reconhecíveis como tradicionais pontos de exibição – desde a pça da república, uma loja de eletrônica, uma van, até uma casa de família, um penetrável do Hélio, uma festa). Tem um outro edifício, é orgânico: banco de dados para videotecagens: para descoberta de relações entre os 7 na “montagem free”. Vários outros edifícios são possíveis de serem propostos, até para os que nunca participaram do processo > os direitos autorais estão dilacerados.

Escrever/teorizar na convencional língua escrita sobre o que se pena subjetivaobjetivamente pra fazer e ainda publicar já é chato demais ao meu ver, mas o vídeo da Gi tremendo de frio editando um suspiro pra construir ainda uma cartografia crítica da Amazônia (sempre) me deu vontade de me perder nesse esquizo escrito meio carta que envio para o rastro e aquém. E lá pra ti: Gi.

Acho que pra arqueologia do pó essa grafia já serve. Pra mim. Exposto. E aí posto... existo?

Sabendo-se: Os verdadeiros lugares não figuram nos mapas. Eles só existem quando realmente fuzilamos com olhares, nossos. hAs paisagens. O resto são rastros do outro, o que pra arqueologia serve, para o logos também.... para a arché ? (Ainda assim importantes,)


Mateos.

Um comentário:

  1. http://vimeo.com/31284796 (Por uma cartografia crítica da Amazônia |-- Carta para Ete)

    http://www.youtube.com/watch?v=a1Gywo23oLQ (jamcine trailer)

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