No (PRIMEIRO) rabisquei 4 notinhas, e refleti um tanto de questões. Escrevi esse texto faz tempo, ia ser publicado em jornal. Foi cancelado. Tava engavetado. Desengaveto:
Foi interessante rever (ao acaso), no meio do processo, o primeiro filme (D.JUAN). Mais ao acaso foi a situação: convidado por Marcio Barradas a exibí-lo junto com a estréia de seu novo filme em Mosqueiro (OS COMPARSAS), exibiu-se também outro filme seu (CORAÇÃO ROXO). Compreendi que este último, diferente do seu último filme, era por excelência "conotativo", enquanto o outro era "denotativo" por excelência. Fazendo essa justa diferença compreendi que o D.JUAN, assim como o PRIMEIRO, são filmes "conotativos" sim, assim são. Compreendi que os fiz na verdade com uma simples preocupação: porque neles expresso tudo aquilo que não conseguiria expressar através das palavras.
"O inominável pode ter imagem". Esta foi a primeira notinha que rabisquei durante o processo.
Revendo o D.JUAN admito que não consigo fazer julgamento qualquer que seja. Encaro mesmo como um complexo ato moral (aqueles que não são certos ou errados, mas que machucam e libertam). Sinto como espectador, o filme que em alquimia materializei, de forma estrangeira familiar. Reconheço-o talvez como um pai reconhece o filho, tão parecido e tão livre. Ou reconheço-o talvez como um filho reconhece o pai, tão perto e tão distante.
"Oh que grande erro da hermenêutica fílmica: não é o autor que se diz no filme, é o filme que se diz no autor". Na montagem conclui acerca desta idéia, que já me assaltava em outros processos.
Quem ou o que sou já não sei, o filme se encontrou no momento em que eu me perdi.
Não sei nem se ainda consigo escrever sem parecer que estou montando fragmentos (no caso parágrafos) e que o que tento dizer não está nesses blocos de letras (ou de som/imagem movimento), mas nestes intervalos, nesses silêncios pescantes, nesses vazios eternos. Os sentimentos de terminar um filme são estranhos (como os momentos mais complicados de ódio/amor); tenho o sentimento profundo do alívio de que daquilo vou me livrar, tenho também o sentimento profundo do alívio de me livrar do fazer cinema, e tenho ademais o sentimento profundo do alívio de que terminei aquilo e já posso começar um outro. São estranhos esses sentimentos pois parecem o mesmo, mas não são; ou, ao contrário, parecem diferentes mas são o mesmo.
"Fazer cinema é a luta do homem contra o mundo e a máquina". Esta a terceira notinha, talvez a mais óbvia e a mais fecunda.
Não há fuga: para se fazer cinema se precisa da máquina e do mundo! Para o filme existir além de ser, é preciso a ação humana no mundo exterior; o contato com as coisas e as pessoas, e as máquinas e os poderes. Pode até ser prazeroso, tal qual o sentimento da baioneta atravessando a costela do inimigo, mas de fato é perigoso. Fazer cinema é uma luta!
Contra o mundo existe o jogo social, e existe o jogo natural. Movem-se as peças estratégicas de produção (por mínimas que sejam), e movem-se as peças estratégicas de criação (percebendo como em comunhão com o mundo pode surgir não aquilo que foi imaginado, mas o que é possível - e que partiu daquilo imaginado, mas que agora encontra o caos).
Contra a máquina existe o jogo da tecnologia, e existe o jogo das enfermidades. Para criar algo de forma humildigna no cinema não é possível choramingar a falta de qualidade tecnológica ou o subdesenvolvimento técnico, é preciso afirmá-lo esteticamente. Este é um jogo que se compreendido tem a transparência das cartas na mesa, pelo menos do homem com a máquina e a obra que surgirá desse embate com o mundo (com o público já é outra história). O jogo das enfermidades já é mais complicado, e opera em campos delicados para o homem como a impotência e a imprevisibilidade. O mundo digital, no qual nós (cineastas independentes) operamos hoje, tanto nos liberta quanto nos naufraga. As pequenas enfermidades dos arquivos – que sofrem conversões daqui pra lá e são malhados entre o 0 e 1 – acabam sempre ocorrendo, e o produto final deve, para não se frustrar, ao invés de repudiar, aceitar talvez. O cinema (não só o digital) é a arte por excelência da “imperfeição”, só assim ele pode atingir a realidade além do mundo.
"Entre os olhos, a imaginação". A última nota rabiscada, acho que a única digna de um status aforismático; pela síntese de idéias que ela encerra e a dimensão semântica que ela convida. ‘Entre’ remete àquilo que está "entre algo e algo" (no caso os olhos), e ao verbo "entrar". Os olhos remetem à visão assim como ao olhar (reflexo da alma). A imaginação (imagem em ação) é o próprio cinema, assim como o sonho e o mundo.
O Fim.
Mateos.
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