Na sessão cineclubista de algumas horas atrás, onde exibi, dentro do Ciclo do mês de agosto (“As idéias e os filme da vida de François Truffaut”), Janela Indiscreta de Alfred Hitchcock – um dos filmes que indicaria como representante do cinema para uma galáxia ignorante - recebi o carinho e as palavras inquietas na defesa do cinema, do meu companheiro Aerton Martins (que foi convidado para comentar o filme comigo), além dos mosqueteiros Miguel Haoni e Cauby Monteiro.
Aerton, entre outros ensinamentos, disse que nos sentimos pequenos diante de tal obra e de tal cineasta, sigo à risca e assino embaixo. Vamos tagarelar....
Meu grande amigo Cauby Monteiro, pensador socrático do cinema (já que se nega a escrever, mas profere nas ágoras seus ensinamentos), trouxe – para o âmbito da discussão – algo que nunca tinha ouvido acerca de Janela Indiscreta... algo que também me incitou a escrever sobre um detalhe (nessa obra, que merece um livro para cada plano) que nunca ouvi falarem. Admito que minha pesquisa teórica não vai além de Bazin, Truffaut, Ismail Xavier, artigos virtuais, extras informativos...
Alguém deve ter falado, mas enfim, tagarelar...
Comentei com o Aerton antes da sessão que, além do que já tinha claro sobre o filme na minha mente, tinha algo que ainda me intrigava muito, que julgava o mais misterioso e que considerava mais uma aula sobre a autonomia da mise-en-scene - que atravessa o roteiro: O personagem do tenente Doyle (o nome aí a brincadeira de Hitch com o Sir Arthur Connan), que vai sendo construído aos poucos - não só através dos diálogos que ele mantém sobre o passado e o cotidiano com Jeff, mas quando olha para a bailarina de forma tendenciosa e responde à afronta de Stewart (que pergunta como vai sua mulher) de forma indiferente – atinge, numa sequência inteira, uma profundidade de poesia e mistério que me deixa atônito.
Falo da cena em que ele vai na casa de Stewart e a - inigualável em beleza – Grace Kelly está presente. Ele chega cansado e indiferente, através da visão dos chinelos e da sombra (a sombra de Grace Kelly!), e da audição de uma voz feminina cantarolando, percebe que uma mulher dormirá na casa de Jeff; depois olha para a festa que ocorre na vizinhança, com uma certa melancolia; chega então Grace, que o tenente olha, encantado e prazeroso por presenciar tal beleza, depois disso olha para sua lingerie exposta na sala (Jeff sempre o repreendendo ao acompanhar seus olhares: “Cuidado Tom”), e, depois disso, o plano que me faz vibrar (a chave de ouro!): o plano começa, eles estão balançando seus brandys e o tenente está ouvindo as conjecturações novas do casal sobre o mistério que tentam desvendar, ele escuta até o fim... depois pretende sair do quadro formado pelos três, a câmera abandona os dois e o segue em panorâmica (aqui uma das poucas vezes que a câmera abandona o ponto de vista de Jeff no filme)... ele deixa seu brandy na mesa, olha sem vergonha alguma para a lingerie de Grace, sai do fundo do quadro, e ocupa o lugar soberano do primeiro plano com o fundo desfocado para dizer, com o olhar mais frio do filme, a frase que revela em que ponto está seu relacionamento matrimonial: “Lars Thorwald não é mais assassino do que eu sou”, e corte, e volta o papo, como se nada tivesse acontecido. Enfim, só vivendo as imagens, realmente Hitchcock é desses que alertam que o cinema lida justamente com o inefável!
Enfim, voltando ao ensinamento do Cauby, creio que tem muito a ver com isso, pois foi justamente o que ele disse – no momento em que eu falava do Método Kulekhov adotado por Hitchcock como princípio para grande parte do seu cinema (que sabemos, é extremamente decupado) – sobre também o filme ser uma pérola da encenação dentro do quadro, já que cada janela é vista de fora, em planos fixos, o que se move são os intérpretes dentro dessas janelas (quadros).
Outra coisa que me intriga, e que o mesmo Cauby me disse acerca de “Notorious”, é a relação de um detetive dentro daquele filme com um quadro (que ele olha, olha, estranha, e só isso)... com o Tenente acontece a mesma coisa numa cena anterior; no meio das fotos de Jeff tem um quadro, que ele olha, olha, estranha, e só isso.
Mateus Moura.
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