quarta-feira, 17 de novembro de 2010

D. Juan e o que ele me disse

Falar de um vôo não é voar, quando vejo urubus lá no alto, no entre o céu e o chão? quase sinto o que é voar, o que fica é o desejo, a falta. A emoção. A proximidade da liberdade. As vezes a raiva. Falar de um trabalho artístico ou não, pra mim só será possível quando o toque for feito ferida no corpo, o corpo passa, mas a ferida fica, às vezes como um vazio, às vezes por deleite próprio. Falar. Aqui eu não escrevo.

calmo, silencioso, o tumulto da indecisão, a perturbação, logo, a inocência; a sedução, desenhada em forma de ninfa atrelada aos caracóis do tempo, mostram em d. Juan , que o mundo não é tão contido, e que o Poder ora vem de doces e suaves e(r))vas ,

A vastidão onde os caracóis foram colocados podia dizer desde os primeiros segundos quem está no poder- que palavra forte não? Quando digo isso, refiro-me ao inicio das dedilhagens no tempo negro que geoavana faz no filme d. Juan, um projeto experimental como a vida, seu dedo rotacionando seus cabelos , encontrando a delicadeza de um passa tempo e, de um tempo que passa dela pra alguém. Quem? Difícil talvez seja gostar de imagens tão naturais, de poesias que encontramos nas gavetas das horas mais comuns- os que procuram longe de sua vida a arte, de certo iriam ou condenaram calmamente e dizendo-se detentores do poder de dizer o que presta pra degustação e o que não presta. Termos delicados esses não? Prestar,,, o que diria um homem da caverna sobre : PRESTAR?

O que me ficou fixado e me faz escrever é o simples fato dessa obra existir, ou pelo menos, procurar existir- os paleolíticos quando pintavam formas naturais em cavernas escuras, sem o ímpeto ou sem a necessidade de decorar o espaço com as imagens de animais,,, pois aquilo supostamente já “decorava” seu interior de homem anarquista nômade, sedentário, necessitado daquilo, pintavam pela magia, por acreditar que aquelas imagens cravadas numa caverna escura seriam ,e de fato eram, a própria caça que tanto estimavam ter para sua sobrevivência. Assim parece que este filme é feito, cravam-se em uma caverna, parte “diária” das necessidades de um grupo de artistas, uma tentativa bem executada de dizer que aquilo- a arte- é seu objeto de caça,

o animal preso e livre começa dançar. A aliança de um compromisso que ele- d. Juan- teme aceitar, solta-se na parede do som, do silêncio, dos gestos intranqüilos, que Ramon executa sem muitos esforços; um cara sozinho, esperando algo, toca seu violão, uma balada como quase todas, triste. Parece que nele foi jogado a roupa do medo. E ela? Quem é ela?

O Suposto, dedilha seus conflitos no violão, preso por uma áurea dourada no dedo, esse não se movimenta sozinho, por insegurança ou deficiência leva outros dedos junto. Isso me faz lembrar por um surto e por conversas com o Mateus do Kafka, que sempre traz um personagem com uma estória/história longa, anterior àquela imagem supostamente primeira que coloca o Gregor como um funcionário que tenta pagar a divida do pai,,, mas possibilita imaginar/criar que ele foi uma criança, e como terá sido sua infância? Faz lembrar da senhora Grubach, teria ela tido namorados? Sorrido algum dia por ter vestido uma roupa alegre em sua vida?Ou sempre vivera no clima de servidão e intromissão, tendo alegria às vezes...? Assim fiquei a pensar como era o Antes da perturbação que d juan neste filme passa, e parece ficar nela,

aí, comecei a andar junto aos figurantes, naquele exercício típico ao teatro e típico ao caminhar nas horas que ficamos andando nos pensamentos, olhando pro nada tentando ficar ereto, só que o som perturbador da cobrança fica e ficou me prendendo no então foco do filme, d juan e sua caça, até então. Num suave esbarrar na pele do outro, parecendo um desejar entrar no outro, todos caminhavam, mas logo naquele andar onde doces lobos se cruzam, ele vira caça. E por ter em sua construção histórica ao longo de no mínimo dois séculos um fio de autoridade, força bruta e sedutora, descompromissado e quase um cético, neste filme ele começa a naufragar, assim como delacroix pinta o naufrágio de D. juan naquela miúda canoa cheia de gente, Mateus e todos os participantes dão Constancia ao naufrágio de mais um homem comum, que vai definhando nas águas que pouco se ver o interior, e por isso pouco se entende onde está. Onde a insegurança se aloja e aquele passa a ser desejado e perseguido por uma espécie de cobra.

Quando o diretor só de uma perna- isso depois pensando que pode ser um “erro” deixei de considerar como um ato emblemático- pede para os dois atores principais executarem a cena onde d. Juan seduz d. Elvira e ela em silêncio o qual passa o filme inteiro, se entrega , e tudo parece ganhar o que eles implicitamente quereriam, o prazer do amor que sede, e a câmera dança, como falou Marat em sua parábola, dança e para na realidade do ensaio da dança, onde o diretor, o cara que segura o microfone, e os outros, aparecem, coisas reais?

Um dos pontos mais interessantes nessa narrativa quase muda, é quando o todo não se entrega ao fantástico, e que difícil isso, se fosse assim possibilitaria outras intertextualizações, mas não, prefere-se a narrativa do”real fantástico”, um ensaio de teatro, onde todos estão encenando a si próprios, procurando por si, e tudo pode ser mastigado como o cigarro que vai roendo o tempo na boca do d juan em Belém do Pará, com o rosto suado, nervoso talvez, ele já abandonou a aliança ? Quase livre, não estando na caverna, mas prisioneiro do vento engolido que ele levanta em seu pensamento, O medo.

Aí, eles me colocam a musica que acende a cena da sedução, onde ela ali, a ninfa, se metamorfoseia em uma fugaz e encantadora cobra, subindo e palpando a árvore, onde obriga d juan, se enclausurar e perder talvez um jogo onde ele combatia a si, joga sobre seu rosto a máscara do ser anônimo, põe por vontade própria, e é visto do alto, a câmera que o congela sua imagem mais parece os olhos dela , quem é ela? e some [ , baixam-se as cortinas]

O fazer, as experimentações, as procuras, as contaminações e os etc como tais nesse mundo onde a arte é colocada em múltiplos caminhos, inclusive o mais evidente: o de servir ao mercado, é difícil para cabecinhas presas no título de ainda colonizadas, aceitar que estamos no submundo das produções, ainda que essas cabecinhas tenham bem esclarecido tudo isso, a procura de uns modelos de um fazer teatro, de um fazer cinema, fazer arte, parece vedar os olhos para o FAZER de tudo isso e outros mais de e em Belém, no Pará, e outros campos. Não quero com isso dizer que as precariedades desse nosso mundo virem arte, não, mas audácias poéticas como tais, produzidas na precariedade, com força coletiva, no mínimo sentidos devem mergulhar nesse oceano

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Anônimo (e-mail)

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