À caminho de casa me vieram algumas impressões – antigas e novas – sobre D. JUAN, O FILME. Primeiro, como roteirista, fico intrigado pela escolha em inverter o papel de D. Juan: o conquistador sente-se ameaçado quando a mulher que pretende conquistar revela-se não a vítima submissa, mas a predadora. Se a personagem mantém suas características cínicas, o ator que o interpreta sente-se ameaçado, inseguro e curiosamente redimido: D. Juan vai para o inferno, mas ele é santificado pela mulher ao mesmo tempo santa e vampira.
Na montagem, o ritmo das imagens torna-se exato justamente para mostrar essa relação, a forma como se constrói a ligação entre os dois, desde a primeira vista, passando pelo primeiro contato no exercício teatral até o choque da descoberta dessa mulher – e desse homem. Os atores constroem isso de forma bastante sutil, com expressões precisas, bem marcadas, ele ora confiante, ora assustado, ora inquieto, buscando identificar nela uma reação que a explique e devolva a ele o controle. Mas ela não revela nada. É uma esfinge, um enigma. Vemos isso em três momentos: na abertura, em que o que se vê dela é apenas um detalhe; na definição dos personagens, em que ela não demonstra qualquer emoção; e na cena em que ela está sentada com o rosto oculto pelos cabelos.
Penso que o filme evita um de meus defeitos na montagem, que é a onipresença da música como moldura para as cenas. Em D. JUAN a música só aparece no momento certo, tanto que às vezes levei um choque, pois me habituava ao silêncio em algumas sequências. Acontece o mesmo quando a ação é centrada no ensaio das falas, e há uma quebra do plano fixo que se mantinha por bastante tempo, e então a câmera “dança” em torno do casal, numa vertigem, para a cena perfeita do beijo.
Esse cuidado com a montagem mostra, para mim, a valorização da imagem, que afinal é a essência do cinema. As imagens foram pensadas no filme para instigar o espectador, para inquietar e não deixá-lo acomodado. Como linguagem (comunicação de mensagem), o filme só se completa com essa visão não passiva, quando cada espectador vai entender esse romance entre atores e personagens, nos dois ou três níveis em que se passa a narrativa (realidade e ficção; um filme sobre uma peça que será o filme) da forma que lhe for afim. No meu caso, vejo como uma parábola freudiana sobre o medo da castração, um exercício metalingüístico entre cinema e teatro, uma experimentação totalmente subjetiva na linguagem do cinema.
E pouco importa se às vezes a sombra do câmera aparece em cena, se as regras acadêmicas são quebradas aqui ou ali. O respeito pelas imagens fica evidente no resultado final: é bom cinema, feito com tesão por essa arte ainda tão nova, com um prazer que passa para quem assiste – especialmente para quem assiste e realmente curte cinema.
Eu fiquei nervoso antes de ver o filme porque tinha medo que o resultado fosse decepcionante – e se fosse ruim, se eu não gostasse, diria isso com todas as letras, como sempre faço com conhecidos, nas diversas linguagens artísticas em que eles trabalham. Aliás, como fiz em relação à cena do microfone, que é a única parte que eu não gosto. Eu tiraria o rapaz com o microfone daquela sequência.
Felizmente – e que alívio! – o resultado foi ótimo, tão bom quanto eu esperava e queria que fosse. Entendi melhor o filme ao revê-lo. E gosto mais cada vez que vejo. Caras, deu certo! EVOÉ! Quero ver o próximo. Quero fazer um. Tomara que outras pessoas também queiram, e percam o medo e façam e mostrem seus filmes. Nós, pobres mortais presos nessa cidade-inferno, tão medíocre em iniciativas culturais, só temos a ganhar com isso.
Marcelo Marat.
Muito grato pelo enfrentamento Marat (em todos os sentidos que essa palavra pode ter).
ResponderExcluirTexto maravilhoso, pena ainda não ter visto o filme, gostei muito do último parágrafo, demonstra corretamente o desejo de muitos!
ResponderExcluirBravo.
ResponderExcluir(e a felicidade de toda essa maresia só almenta)
Poxa Matheus! Ví a matéria no Diário do Pará em que você falava sobre a disponibilização de materiais (filmes) na net, mas vejo que ficou só na teoria, pois digitando no Google "D. Juan Matheus Moura download" nada aparece. Puts, disponibiliza aí pra galera, tem tantos sites de hospedagem na net. Depois posta no blog avisando o link (mas só se for possível).
ResponderExcluirAtenciosamente...
Benilson Lima