domingo, 17 de outubro de 2010

Tarantinologia – fatia n°1 e nº2

Ja falei recentemente aqui no blog do meu apreço pela arte da culinária. (http://cinemateusmoura.blogspot.com/2010/08/caminhemos-para-que-um-dia-possamos.html)

O Miguel Haoni recentemente fez uma junção interessante do que o Hitchcock falava acerca das “fatias de bolo” que o mestre filmava, com o Pulp Fiction de Quentin Tarantino. Para ele, o filme que levou o jovem cineasta ao estrelato é algo entre a maionese [de Bazin] e o bolo [de Hitchcock]. (http://apjcc.blogspot.com/2010/10/pulp-fiction-no-cine-ccbeu.html)

Foi ao reassistir o Pulp Fiction na quinta, pela primeira vez em tela grande, que resolvi fazer uma sessão de textos aqui seguindo, de forma análoga, a montagem episódica tarantinesca. Ao invés de falar tudo o que todo mundo já sabe da biografia do cara, ou repetir todo o enredo pra deixar os leitores mais confortáveis eu vou me utilizar da minha incompetência de administrar o meu tempo para ir direto a certos pontos; nem sei se os essenciais, mas os que mais me dão gana de tagarelar.

Sem tentar abarcar o bolo, beliscarei as fatias. Aos interessados...

Tarantinologia – fatia n°1 e n°2

[Pulp Fiction - Butch]

1.

Entre o humor e a ação, uma sequência do mais inocente jogo de amor. A relação entre Butch e Sebastiane é tão puro como aquele longínquo entre Carlitos e a Paulette Godard nos Tempos Modernos – estes também se despedindo estrada a fora, porém de chopper.

A construção toda da cena de apresentação de Fabiane, que evoca também os mais tocantes momentos de Godard ao filmar as relações amorosas entre um homem e uma mulher, é assustadoramente verdadeira e grandiosa em sua realização. Entre a gag inocente do “prazer oral” (e o escovar dos dentes), as brincadeiras inocentes de casal no banheiro, o lento desvelar da beleza natural e inocente de uma linda mulher de camisa e olhar apaixonado, um não tão inocente momento de torpor entre o sonho e a realidade.

É este momento em que Butch acorda que Tarantino decide filmar liricamente, através de zooms... este espaço-tempo mental perifeérico entre o sonho e a vigília, onde tudo é névoa de realidade. De um pesadelo, Butch desperta ofegante. Na tv ligada, cenas de guerra. No banheiro, seu amor escova os dentes. Sabemos já de toda a relação de sofrimento de seus antepassados com as guerras que tiveram que atuar. O som da tv em explosões talvez ecoe as imagens do pesadelo do qual acaba de despertar - e do qual não se lembrará quando totalmente consciente. No seu mundo escroto apenas uma salvação, em forma de mulher – esta que sai do banheiro aflita com o grito de seu amado. Tomamos o ponto subjetivo de vista deste homem, que é assaltado negativamente pela imagem da guerra, positivamente pela imagem dela, até juntar estas duas nessa confusão de sensações – ela vai parar, por acidente de reflexo, dentro da tv (ou mais especificamente, da guerra, ou mais especificamente, do perigo), e o pesadelo de Butch, em vigília ou durante o sono, ganha o seu contorno mais certeiro se afirmarmos que se trata do medo de perder quem se ama, e da responsabilidade que carrega colocando este bem amado em perigo.

Tarantino filma a beleza sexual dos corpos se tocando em gestos de amor e carinho de forma tão sublime e verdadeira quanto as neuroses e medos que advém de tudo isto.

2.

Em outro momento, o cineasta filma o momento de uma decisão difícil que Butch deve tomar.

Sabemos de todo o périplo do relógio, sua estima e o seu valor, e a responsabilidade lhe foi destinada em sua preservação.

Voltando ao seu apartamento para o resgate, uma série de fatos bizarros ocorrem. Entre eles, o seu encontro fatídico e prosaico com Marsellus Walace no sinal de trânsito, que, em luta e fuga pelas ruas, os levam para a única loja que não podiam entrar, onde são “capturados” pelos maníacos sexuais.

No “unidunitê” Marsellus leva a pior e enquanto é currado Butch consegue se desvencilhar das cordas e do escravo sexual e corre porta a fora daquele pesadelo. Na beira da saída, porém, ele pára, e reflete.

Uma espécie de “moral anal” é o que o impede de deixar pra trás aquele soldado, mesmo que seu mais perigoso inimigo. Ele ouviu todas as histórias referentes ao sofrimento de seu pai em alojar um relógio no ânus por anos. A filosofia é maxista por excelência, a defesa irrestrita é a da virilidade e o pagamento àqueles que tem a petulância de violar o santo buraco é a pior das mortes em técnicas de tortura medieval.

No fim, apesar de, durante a revanche contra Zed e seu companheiro, os dois se prostarem várias vezes um atrás do outro com armas fatais (podendo finalizar os seus respectivos “problemas”), ambos, pactuaram, desde sempre, a partir de sua formação cultural, que não se pode atacar outro homem pelas costas, sob qualquer forma ou circunstância. É a lei do Oeste.

Mateos.

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