quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Ato relato

Que analisar algo se tratava de abarcar um pequeníssimo pedaço do fenômeno eu já sabia, mas recentemente a vivência de certas situações trouxeram novas rugas de (in)compreensão.

A obra de arte como fenômeno independente de seu criador (como, supostamente para uns, nós) também já era totalmente aceitável na confusão dos meus juízos, mas recentemente a vivência de certas situações e sua posterior análise me fizeram tropeçar em conclusões nada conclusivas.

Na minha atual palheta de entendimento encontravam-se categorias de análise bem humanas ao procurar a causa primeira da coisa-artística: ‘inteligência’, ‘sensibilidade’, ‘percepção’, ‘espírito’, ‘sentimento’, ‘personalidade’. O ‘domínio técnico’ sempre me encantou, e, falando de preferências, ponho na frente de obras de vários artistas obras virtuosísticas de grandes artesãos, mas, falando de substância primeira, não acredito que seja o ‘domínio técnico’ essencial; sem ele se fizeram grandes obras, porém sem o mínimo ‘senso artístico’, nananinanão.

Tem artes que são mais influenciadas pela qualidade do seu instrumento que outras. No caso da escritura, por exemplo, a caligrafia não tem importância alguma – onde ela tem importância na verdade é justamente na arte da caligrafia. A arte cinematográfica talvez seja – salvo engano – a que tem o produto mais influenciado pela Máquina.

Isso não tinha aprendido pensando, tive que aprender vivenciando. Pragmaticamente também ratifiquei conclusões de outros, e que apenas “sabia” de forma rasa. Um exemplo é o aforismo rohmeriano de que “todo filme é um documentário de suas condições de produção”. Eu não sei se não entendia essa frase em seu sentido profundo por questões de maturidade, porque ela se perdia na tradução ou porque ela queria significar outra coisa mesmo e eu estou tendo outro pensamento... Enfim, só sei que colocaria dessa forma (pra esclarecimentos próprios mesmo, a partir dessas tais vivências recentes): Todo filme FAZ um documentário de suas condições de produção.

Qual a diferença? É aí que entra o pensamento sobre-vivente, que retoma o tema do meu atual relacionamento com as máquinas... & inicia-se o corpo do texto, depois deste extenso prólogo.

Este pensamento prematuro foi gerado durante dois meses, período que decidi esquecer a segurança e transar valendo com os instrumentos técnicos audiovisuais. Desde então, todos os dias, dedico horas gravando ou editando – só o que quero. Nessa brincadeira descobri que não se faz cinema sozinho, nunca! Mesmo num filme do próprio umbigo precisamos de 2 coisas: um ser humano e uma câmera. Foi então que senti na pupila o “cine-olho” a que Vertov tanto se referia.

Vontade, Poder: serão realmente apenas qualidades animais, vegetais?

Se da razão me utilizar para tentar compreender a minha relação com a máquina de filmar neste processo – que fui convidado por Danilo Bracchi, junto com Edison Santana, para uma tríade de experimentação entre música, dança e vídeo – chamado Curimbó, será como um tiro no pé.

Nada teve sentido lógico-racional: queimou câmera, HD parou de funcionar e levou arquivos, softwares se renegaram a abrir, fitas se deterioraram em tempo surpreendente... e coisas que nem sei explicar.

Eu, até então, tinha tido uma sorte imensa com as máquinas; mesmo não sabendo nada de técnica elas haviam respondido e cooperado totalmente com aquilo que eu desejava.

Mas dessa vez foi tudo diferente, foi como uma briga: eu fazia e ela desfazia, eu fazia e ela desfazia... até essa Coisa – nascida dessa porrada – vencer.

De repente olhei o produto e não era o que eu queria, haviam Erros. Mas acompanhando-os percebi que não havia produto mais honesto do que foi o processo do que aquilo. A Máquina , presente na imagem que se desenrolava, tossia a sua “imperfeição”, construía a presença de sua ‘maquinicidade’.

Aquele filme era, também, um documentário, feito à minha revelia, das condições existenciais do processo, que compreendia em sua gênese o movimento cosmogônico de uma trindade: Natureza-Homem-Máquina.

Logo de cara pensei que aquele produto que me foi apresentado em primeira mão não agradaria o público ao qual era destinado. Não acreditei nem mesmo que agradaria os meus parceiros.

Onde fui me meter? Eu – neófito, coitado – me envolvendo artisticamente com um pai e um filho de santo; como eu queria que o processo fosse “natural”?

O que aconteceu, para a minha surpresa, é que eles viram e concluíram na hora que não podia ser diferente, e que aquele tinha que ser o produto apresentado.

Sincretizando em ritmo de natal, todo esse relato meio escorregadio me trouxe a imagem do presépio cristão. Os três reis magos, cada qual com o seu presente, seguindo a estrela onde encontrarão o nascimento. Imagino então que chegando lá o menino na manjedoura arrombou o ventre de sua mãe ao nascer, e a matou - afinal ela era virgem, fechadinha. O menino nasceu deficiente, um olho a menos - perdido na guerra contra a casca de ovo. Tranquila e ritualisticamente, compreendendo os fatos através da razão, os três reis magos abençoam a criança, dão meia-volta, e seguem pra casa... com a doce sensação de dever cumprido.

Mateos.

2 comentários:

  1. Cara!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!que loucura hennNNNNNNNN!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!, voce perdeu, jogou fora, esqueceu alí, AMAQUINA.

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  2. vc escreve mto bem, consegues verbalizar perfeitamente suas idéias através da escrita. adorei teutexto e suas idéias acerca da Máquina ter "vontade" própria, como te falei outro dia no teatro Claudio barradas... parece que o filme tem vontade própria para sua autorealização, nesse caso, quem é a máquina? o Homem que opera a câmera ou esta que é operada pelo outro?! que doidice..

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